Daniel Campos

Prosas

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31/08/2015 - Mapa coração

Já nos esquecemos de tantos momentos que não eram para ficar. Já deixamos tantos de nós mesmos pela estrada alongada a ponto de nos perder de vista. Já contamos tantos segredos que hoje não importam a mais ninguém. Já não alcançamos mais com nossos braços longos muitos daqueles que juramos manter perto de nós. Já nos doemos tanto que hoje estamos anestesiados pelo tempo a ponto de poder pisar nos cacos de nossas fantasias sem mais se machucar. Já nos desapaixonamos tanto mesmo sabendo que precisamos nos (re)apaixonar várias vezes ao dia. Já criamos tantas e quantas rotinas mesmo sabendo que o mapa da vida é o coração.


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03/02/2014 - Mapa do tesouro

Vem, meu bem, o pirata do olho de cristal e da barba de sal me deu o mapa do tesouro. Vem, vem também, nessa busca pelo ouro perdido da civilização do proibido. Encosta seu barco no meu, coloca sua perna na minha, suba nas minhas costas, e como operário e abelha rainha, vamos pelas encostas deste mar em postas. Veja se gosta da viagem ao mundo não tristonho e seja a paisagem desse sonho. Vamos navegar e, procurar e escavar o amor esquecido do tempo que não havia tempo. Vamos trocando calores e frios, vamos evocando arrepios, vamos roubando beijos e armazenando segredos. Vamos chamar todas nossas fantasias para tripulação. Vem, meu bem, vamos além dos limites geográficos. Vamos, vamos enlouquecer os gráficos da razão fazendo um do outro a própria embarcação rumo ao tesouro do pirata que fala sobre o ouro do que nos falta.


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21/01/2014 - Mar aberto

Para além dos meus dias haverá um milheiro de outros dias talvez mais bonitos que os meus. Eu desafino. Eu ando torto. Eu desalinho. Eu faço o aflito. Eu grito. Eu, mesmo quando inédito, me repito. Eu sou mar aberto quando devia ser porto. Eu sou o que não querem que eu seja. Eu sou a palavra que aleija. Eu sou a valsa que não é mais dançada. Eu sou a lua caindo na calçada. Eu falo demais em um silêncio quieto como só. Eu sou o pó sobre a mesa. Eu sou a dose incerta de tristeza. Eu sou o nó do destino. Eu sou o menino, o adivinho, o linho no campo. Eu sou o que acredita no encanto. Eu sou só isso. Sou esse reboliço interior. Essa nave sem direção. Esse beija-flor que nunca será condor. Eu sou o passo largo que vive tentando chegar às estrelas esmaltadas de vermelho. Eu sou o timão do navio girando, girando, girando no meio da tempestade. Eu sou os pensamentos fugitivos adormecidos pelos cabelos. Eu sou o que não tem idade. Eu sou o anti-horário. Eu sou o ovário textual. Eu sou o sentimento viral. Eu sou o último de hoje. Eu sou o olhar mais longe do monge. Eu sou candeeiro noite adentro. Eu sou amor ao vento. Eu sou trevo de cinco folhas. Eu vivo dentro da minha bolha. Eu sou a rolha do champanhe jogada ao chão. Eu sou o talvez para além do sim e do não. Eu sou embarcação pirata. Eu sou o que me falta.


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Mar de sândalo

Como um mar, ela crescia, decrescia e crescia novamente por onde passava. Em certos dias, ela passava num mar revolto. Noutros, mar manso. Mas sempre crescendo, decrescendo e voltando a crescer. Era marcada pelo movimento. E não era dançarina, atleta ou coisa e tal. Era uma mulher sem endereço fixo, sem telefone fixo, sem identidade fixa. Mares não são fixos.

Mares têm nome, mas dia estão aqui, dias estão ali e outros acolá. E ela era sim e não. Cheia ou alta, como uma maré que obedece ao calendário lunar, ela emergia e submergia em sua própria inconstância. Entre o seu crescer, decrescer e tornar a crescer, o tempo passava em um intervalo que ia de míseros segundos a semanas, meses, anos inteiros. E nesse momento, pranchas surfavam pelo seu corpo. Um corpo que não era de sol nem de algum bronzeado barato. Era um bronzeado de areia. Ao invés dos poros, seu tecido parecia formado por grãos de uma areia macia. Por isso, a sensação de que a qualquer momento ela poderia voar nos braços de uma tempestade de deserto. E vivia esperando por uma arrevoada de vento. ...
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26/04/2013 - Marcações

É pouca a vida. É constante a morte. É infinita a fome. É crescente a saudade. É inevitável a separação. É dolorida a estrada. É paralelo o sonho. É solitário o amor. É impossível a compreensão. É longa a decepção. É inconstante o sorriso. É frágil a fantasia. É rara a sorte. É difícil a convivência. É feliz a coincidência.

É forte o adeus. É fraca a promessa. É bêbada a ilusão. É falível o plano. É acertado o erro. É belo o parto. É proibida a perfeição. É indiscutível o coração. É esperado o milagre. É profética a esperança. É cheia a lua. É corrente o tempo. É mágico o raciocínio. É desconhecida a fé. É apaixonante o encontro e ainda mais o reencontro.


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29/06/2014 - Marcas que ficam

Entre o sim e o não, ela vem pela escuridão acendendo estrelas, ateando fogo na lua-balão. Quebrando o silêncio, vem cantando em outra língua uma canção pra ficar. Passa ora calculando seus passos ora transformada em asa delta entregue ao vento. Deixa a poesia da sua boca nas bordas dos copos, das taças, das tulipas pelo horizonte afora. Cruza as pernas como se cruzasse hemisférios em linhas nada imaginárias, mas que rendem tanta imaginação. Alimentando a mágica da noite, sopra vaga-lumes que voam embriagados de paixão num zanza daqui zanza dali. Sorri. Chora. Gargalha. Engole o choro. Vem e vai embora sem dar satisfação. Como flor ora nasce no leste ora no oeste ora no verde ora entre quatro paredes ora na cidade ora na saudade. Pelas vielas do sentimento ela devora o coração ao mesmo tempo em que faz dele sua rede pra balançar nas suas horas de verão. Ora grita ora interna-se em seu monastério particular. É tanto mistério que nem ela se conhece. E faz do amor algo que definitivamente não se esquece.


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29/03/2013 - Maria anoiteceu

Maria amanheceu mais calada do que costumava amanhecer. Maria amanheceu sem querer comer nem ao menos um pedaço de pão. Maria amanheceu sem conseguir engolir nem um copo d’água. Maria amanheceu sem disposição para cantar a canção que mais gostava. Maria amanheceu acendendo vela. Maria amanheceu pagando promessa. Maria amanheceu rezando sem parar. Maria amanheceu com vontade de ficar sozinha. Maria amanheceu sem ter dormido um minuto sequer.

Maria amanheceu com um aperto ruim no peito. Maria amanheceu com o coração apertado. Maria amanheceu com a maquiagem borrada de tanta chorar. Maria amanheceu sem querer ir ou ficar. Maria amanheceu com a certeza de que dali em diante nada seria como antes. Maria amanheceu sem poder fazer nada para mudar o destino. Maria amanheceu de luto mesmo vestida de branco. Maria amanheceu sem saber o que ia ser de si. Maria amanheceu em meio a um sentimento de perda. ...
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03/12/2015 - Maria Etelvina

Maria das Etelvinas, das portuguesas que cruzaram o Atlântico para tecer suas histórias neste chão. Etelvinas de coser. De seus doces. De suas costuras. De suas belezas. De seus fados.

Etelvina das Marias, das brasileiras que são índias, nativas desta terra, mistura de mulheres, de sonhos, de expectativas, de paixões.

Maria Etelvina que não abre mão do seu amor, que vive para seus filhos, que ano após ano vai abrindo caminho. Maria das saudades, Etelvina de todas as idades. ...
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Comentários (1)

22/08/2012 - Maria Marias

Maria de tantas Marias. Maria que passa. Maria pássaro. Maria de pena. Maria de aço. Maria fuligem. Maria vertigem. Maria quase virgem. Maria dourada. Maria de Oxum. Maria galhofeira. Maria apocalíptica. Maria de festa. Maria imodesta. Maria da rua. Maria com asas. Maria liberta. Maria fujona. Maria risonha. Maria do sol. Maria da lua cheia. Maria que mareia. Maria da luz. Maria das árvores. Maria dos céus azulados. Maria do coração partido. Maria do voo proibido.

Tantas Marias em uma Maria. Maria da ingratidão. Maria sem perdão. Maria sem laço. Maria da arrebentação. Maria dos pés descalços. Maria dos percalços. Maria de girassóis. Maria algoz. Maria sem dono. Maria ao vento. Maria fofoqueira. Maria sentimento. Maria do amarelo. Maria do ouro. Maria caramelo. Maria sem lei. Maria das rodas. Maria sem podas. Maria sem parada. Maria espevitada. Maria criança. Maria de trança. Maria sempre apaixonada. ...
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24/07/2010 - Maria menina Auxiliadora

Era uma menina, de treze anos, correndo pela paisagem árida à procura de seu destino. O vento empoeirado soprava ao longo de seus cabelos longos. Sua timidez pouco a pouco ia se anulando em seus olhos fortes. Seu nascimento foi uma espécie de milagre. Sempre teve um ar de santa. Tinha uma beleza diferente, feita de uma espécie de luz que nem o sol nem as estrelas eram capazes de gerar. Brincou muito pouco. Ainda na infância teve que deixar as bonecas de lado. Afinal, desde muito nova já tinha alma de mulher....
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