Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 40 de 320.

18/10/2015 - Corpo ou jardim?

Quando você se deita está feito o jardim. Do seu corpo nascem amores-perfeitos e outras cores de flores que são de todo jeito. A brotação e floração do seu corpo horizontal não têm defeito nem fim. Impossível não notar as folhagens dando beleza e mistério aos seus olhos numa simplicidade de realeza. E a rosa carmim, carnuda, miúda, profunda, que desabrocha em sua boca. E a noite se faz pouca para a apreciação de todo perfume de manacá, jasmim, lavanda, camélia,..., e de todo ardume que anda pelo seu íntimo misterioso feito bromélia e garboso igual azaleia. Há árvores altas que tocam o universo e uma vegetação rasteira que se espalha por inteira como verso em rama. Quando você se deita folhas, raízes, folhas e sementes tomam de conta da cama. Dama da noite, da tarde, do dia que anuncia com alarde o verde em toda sua seiva e primavera. Em seu corpo, a era do que cresce, floresce e aquece a vida como chá de camomila. Há filas de jardineiros, colecionadores, lavradores, aventureiros, conquistadores, cientistas e artistas querendo tocar, cultivar, amar o seu corpo, que mais parece um porto do mato de onde chegam e saem a todo o momento embarcações de todo tipo de sentimento. Porém, vem o vento e o sopro espalha seu verdume em meus olhares preenchendo de vida, com suas chegadas e partidas, todos os lugares do meu eu. ...
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17/10/2015 - Só isso quem aquilo

Só é grato à luz quem já chorou no escuro. Só dá valor a uma conversa quem já falou sozinho. Só sabe o que é ser feliz quem já experimentou da tristeza. Só acerta quem erra. Só levanta quem um dia já tombou. Só sabe a diferença entre o bem e o mal quem hoje não é igual ao que foi ontem, anteontem, trasanteontem. Só insiste nas sombras quem não se entrega ao sol. Só teima no errado quem não dá ouvido ao coração. Só não se dá quem tem medo de se perder. Só não chora quem tem lágrima de pedra. Só sabe a saudade quem já está longe. Só não ajuda quem nunca precisou. Só não faz a lição quem não quer aprender. Só quem se liberta do passado segue em frente. Só sofre além da conta quem consigo mesmo apronta. Só tem caminho amarrado quem não sabe desdar nó. Só não perdoa quem nunca pediu perdão. Só não vive quem não sabe amar.


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16/10/2015 - Pra gente ser feliz

Pra gente ser feliz é preciso tão pouco que a gente nem acredita e por isso continua no sufoco. Felicidade não é troco, troca é. Felicidade não tem caroço nem se guarda no bolso e está entre o que eu digo e o que eu ouço. O feliz pende pro lado da simplicidade, da honestidade, da ingenuidade. A criança que ainda não conhece e o velho que já se esqueceu das regras do jogo têm mais chance de ser feliz sem engodo. Pra gente ser feliz basta se jogar no escuro, deixar pra lá o inseguro, pular o muro e não se importar se o destino tem furo. Ser feliz é pedir bis sem se importar se isso está dito ou escrito, se é piegas ou bonito. Ser feliz é se esquecer das armaduras, legiões e brasões, estradas e cruzadas, e se deitar sobre flor, flores-de-lis, e rolar, e beijar, e amar mais até do que o sonho nos quis. Pra gente ser feliz é preciso querer e fazer o que sempre quis o coração. Que tal a gente se esquecer do chão, da lei da gravidade, da lei da saudade, da lei da idade e se perder na gente mesmo sem chegada e sem partida, sem coisa proibida. Pra gente ser feliz é preciso deixar clarear a noite e escurecer o dia, pois é no encontro que se dá a poesia da felicidade. E a felicidade o que é senão nossa cidade interior a piscar igual vagalume, pirilume, cardume de luz num clarão, num ardume, numa encantação tão breve quão leve. E quem é que não se atreve à felicidade? Todo mundo pode, todo mundo deve ser feliz porque assim em seus mandamentos de sentimentos deus nos quis. Eu quero te fazer feliz para me fazer feliz pra gente ser feliz.


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15/10/2015 - Agulhada certeira

Foi como se o samba de Beth Carvalho, Martinho da Vila, Clara Nunes, Nelson Cavaquinho, Alcione, Zeca Pagodinho, Clementina e Arlindo Cruz me levasse para as festas de final de ano na casa dos meus pais. Meu pai era quem mandava no aparelho de som escolhendo sempre uma trilha sonora capaz de animar com poesia. Não podia faltar a árvore de natal, o presépio, a leitoa e um bom samba. Esse batuque de hoje me levou de volta ao passado e em direção ao futuro, pois as festas se aproximam. Entre o ontem e o amanhã, a falta. Muitos dos que dançavam, comiam e se alegravam naquele terreiro do samba já não estão mais entre nós neste plano físico. Como os aparelhos de som do meu pai, os mais velhos foram dando lugar aos mais novos. E bate uma saudade da vitrola. Que o diga meu pai que está sempre às voltas com os vinis. As agulhas da máquina de costura de minha mãe, as agulhas das vitrolas de meu pai. As agulhas que tiram som dos tecidos e dos sulcos dos LPs. Agulhas mágicas aos olhos da criança que fui; Criança que sou. Como o samba de raiz, se agulhas cavassem um pouco do nosso coração vamos achar as raízes daqueles que amamos. A árvore pode estar longe, mas as raízes nos alcançam, nos tocam, nos envolvem. A árvore pode não estar mais lá, mas as raízes continuam vivas. E como numa agulhada certeira foi como se o samba de Paulinho da Viola, João Nogueira, Jorge Aragão, Chico Buarque, Jovelina, Simone e Cartola cutucasse meu coração e expusesse essas raízes de um tempo cheio de matizes. Sentimento em carne viva. Pelas raízes do meu samba, seiva corrente de amor e saudade. Chora cuíca, balança pandeiro, arrepia cavaquinho...


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14/10/2015 - Sereno da vida

A noite vai serenando sobre tudo, como que com suas gotículas querendo tocar o mundo. A noite se aproxima de todas as coisas e criaturas por meio dessas porções que caem da escuridão. Suores de cometas? Extratos de estrelas? Perfumes de anjos? Do que serão essas gotas? Uma tempestade cósmica que se repete a cada noite. Gotículas que aliviam e dão calma às loucuras. Gotículas que nos levam à cama. Gotículas que alimentam as almas das criaturas. Sereno, pequeno. Sereno, ameno. Sereno, veneno à estiagem de sonhos e ideias. Gotas ora são abelhas de uma grande colmeia ora são lobos de uma imensa alcateia. Sereno, poeira líquida do universo. Minha prosa, meu verso. O infinito do adverso.


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13/10/2015 - Tristeza a um

Triste é não viver a dois o que não dá para ser vivido a um. É ser sozinho aos olhos de todos, mas estar intimamente ligado em todos os momentos a outro alguém. E esse alguém passa sabe se lá onde sozinho ou com outro alguém. É ligar para você mesmo para contar as novidades. É se olhar no espelho e ver a imagem da pessoa que você ama se misturando as linhas do seu rosto. É colocar dois pratos à mesa, conversar com o vazio, fazer os gostos de quem não está ao seu lado e deitar só num lado da cama de casal, respeitando o espaço ocupado pelo corpo amado e desejado que não está mais ali. Triste é dar boa noite à paixão e acabar beijando a solidão.


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12/10/2015 - Ao passo de Yucatã

A corte de Yucatã
Coloca-se a postos
Com indumentárias
Para todos os gostos
E sai entre a manhã
E a noite à conjunção
Do sol e da lua
Forças do ministro
Do astral superior
E com a irradiação
Lá se vai toda dor
Todo cansaço
E vem um abraço
Interior
O ontem e o amanhã
No mesmo laço
Num só passo
Povo de Yucatã


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12/10/2015 - Dança de almas

Vamos dançar, mas não com os corpos. Com as almas. E para isso deixa o corpo quieto. Relaxe. Sente, deite, aquiete-se. Deixe sua alma à vontade. E permita que ela saia ao encontro de outras almas. Almas que bailam, valsam, boleram, sambam, riscam o céu com suas luzes ao ritmo de amores que estão além da vida, transitando entre tempos e planos. Dance e trance seus carmas. Arma-se de leveza, de delicadeza, de nobreza de sentimentos e rodopia aos sete ventos. Não se preocupe em encontrar ninguém, os destinos se encontram por si só. Metades sempre se procuram. E quando se dá o encontro das estrelas, elas dançam. Afinal, um céu estrelado nunca é igual ao outro.


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11/10/2015 - Criançará

Criança não vai lá. Criança não pode isso. Criança vem cá. Criança deixa disso. Criança tá na hora de dormir. Criança borá banhar. Criança, nada de cair. Criança, nada de fugir. Criança deixa de manhã. Criança quer brincar. Criança quer malinar. Criança quer seu lugar. Criança, nada de se perder. Criança nunca para de querer. Criança quer correr. Criança atazana. Criança faz manha. Criança quer braços. Criança dá laços. Criança faz o que não faço. Criança para não. Criança é imaginação. Criança ciranda. Criança danda, danda, dana. Criança de lá, de cá, acolá. Criança criançará. ...
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11/10/2015 - Paz na guerra

Um dia saio do mundo
Noutro eu caio na vida
Giro em torno do eixo
Vou fundo na ferida
Encaro tudo de frente
E de ventre a ventre
Eu me deixo

Deixo-me em beijos
Arrepios e rios
De desejos e mais
Beijos e paz
Eu me deixo em paz
No meio da sua guerra
Nascendo na sua terra


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