Daniel Campos

Prosas

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27/11/2015 - Avôs doutores

Meus dois avôs não tinham nem o primário. Aliás, pouco foram à escola. Trocaram os livros pela enxada. Os dois sabiam ler com dificuldade e assinavam o nome. No entanto, eram dois homens que tinham um conhecimento sem explicação. Liberato tinha olhos topógrafos que colocava qualquer cerca, por mais comprida que fosse, no enquadramento exato. Meu avô media terrenos a passadas, esquadrava linhas exatas, milimetricamente falando, numa engenharia que me deixava boquiaberto. Era preciso no que fazia. Uma mistura de entendimentos milenares e futuristas que fugiam a minha compreensão. Antônio era exímio relojoeiro sem nunca ter tido uma relojoaria nem aprendido a profissão por meio de curso algum. Eu me admirava de vê-lo desmontando e consertando aqueles relógios de bolso num impressionante minimalismo. Um inventor, que se fascinava por ferramentas e parafusos. Ambos conheciam a fundo uma matemática que eu, com anos e anos de estudo, não consegui dominar. Também eram mestres em literatura e história, pois contavam causos ricos em detalhes, indo do classicismo ao romantismo, do barroco ao contemporâneo, com extrema facilidade. Causos que me ensinaram muito, tanto em matéria de composição literária e histórica quanto no que diz respeito ao estilo. Ambos colocavam amor em suas prosas e poesias. Aliás, botavam paixão em tudo o que faziam. Conhecedores da geografia das coisas, da biologia do universo, da química da vida... Sabiam prever o tempo observando a lua, o vento, os bichos... Sabiam da arquitetura que envolvia uma dança de catira e da afinação de uma viola... Engenheiros, sabiam com quantos paus se faz uma canoa e com quantas fiadas de tijolo se ergue uma parede... Falavam muitas línguas, a dos pássaros, do fogo, do tempo, das águas, dos bois de carro... Entendiam de folhas, raízes, frutos, enfim, da natureza como poucos porque simplesmente eram parte integrante dela. Por essas e outras que eu acredito em outros planos astrais, pois o conhecimento desses dois não se limitava a uma existência. Tenho certeza de que Liberato continua fazendo suas plantações geométricas e Antônio segue envolvido com as engrenagens do tempo. ...
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26/11/2015 - Chegou a cavalaria

Vem ver, vem ver, vem ver a cavalaria. Chega fazendo temporal. Levantando poeira, tirando faísca, espalhando cantos, curando com irradiação os caminhos do coração. Cavaleiros que limpam o dia, que acendem o sol interior, que dão alento. Ai, vem chegando os cavaleiros do tempo. Ai, vem com lanças coloridas movimentando a roda da vida. Cavaleiros de santo, de espírito, de encanto. Cavaleiros que quebram quebranto. Cavaleiros que passam enxugando nosso pranto, apaziguando nossa dor, fazendo cantador. Cavaleiros que desfazem feitiço. Cavaleiros que dão jeito no enguiço. Cavaleiros que não temem o reboliço. Cavaleiros guerreiros. Cavaleiros de amores inteiros. Cavaleiros da energia. Cavaleiros da virgem maria. Cavaleiros da lua. Cavaleiros da valentia. Cavaleiros que clareiam a rua mais escura que há dentro de nós. Cavaleiros que desatam os nós. Cavaleiros verdes, vermelhos, azuis, lilases, negros, brancos, rosas... Cavaleiros da luz. Cavaleiros que irradiam, emanam, planam entre a terra e o astral. Cavaleiros que vêm longe trazendo a bandeira de jesus. Cavaleiros de missão especial.


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25/11/2015 - Meus óculos e Iemanjá

Já estava me despedindo do mar quando Iemanjá quis os meus óculos. Estavam comigo há quase dez anos, mas isso não é nada diante do querer da rainha do mar. Eu não relutei, tampouco reclamei. Pelo contrário, agradeci. Afinal, Iemanjá quis algo meu. E, inconscientemente ou não, sorri. Dei de bom gosto. Não sei o que queria com meus óculos velhinhos, mas isso também não me compete saber. Se Iemanjá quer, Iemanjá terá. Hoje ainda penso como ela deve estar fazendo uso deles. Talvez esteja vendo por aquelas lentes tudo o que eu vi em quase uma década olhando por aí. Muita coisa ficou capturada naquelas lentes. O valor de lembrança certamente é muito maior do que o financeiro ou estético. E ela quis minhas visões, o que chegou do mundo até meus olhos. Iemanjá viu tudo o que eu vi nos últimos anos. Dividir minhas visões com a rainha do mar é algo que me fez sair daquelas ondas em estado de graça. Iemanjá sabe agora tudo o que eu vi e vivi. Enquanto muitos dão espelhos, flores e perfumes para Iemanjá eu, de certa forma, dei os meus olhos. ...
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25/11/2015 - Ninho de aço

Coloca gotas do seu desejo
Na minha boca e voa à toa
Buscando mais disso por aí
Vai cantando igual um realejo
Sugando ali e aqui como colibri
Que de gota em gota faz seu mar

O ar é sua casa, bata suas asas
De folha em flor ache a semente
Capaz de nos levar em frente
Nesse amor feito de pássaro
Fazendo nosso ninho de aço
Pro tempo não desmanchar


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24/11/2015 - Os encantados do Xingu

Xingu é um mundo encantado onde não existe dor. Todos dançam, cantam e se pintam. As árvores e as pessoas são da mesma família. Eles sabem a língua do mato, do vento, dos rios, das estrelas. Tudo se comunica. A vida flui de todas as formas. E não existem normas, pecados, julgamentos. A felicidade é para todos. E o que é de todos é de cada um. O amor habita exatamente ali e se dá em suas variações como um mesmo sabiá que possui tantas canções. A fogueira é acesa. Os espíritos são respeitados. A iluminação é por todos. De tão mágico, Xingu parece não existir. Mas seus guerreiros são reais. Mas suas belas mulheres são de verdade. Suas crianças correm como meninos sem maldade. Os beijos estão para além do que se vê nos cinemas. As relações fogem dos livros de filosofia e psicologia. Xingu é de dentro pra fora e de fora pra dentro numa relação natural de troca sem exigir nada em troca. Os encantados do Xingu não existem, eles simplesmente vivem, amam e se dão ao mundo sem precisarem de entendimento ou explicação. ...
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23/11/2015 - Trivialidades

Não posso dizer que eu um dia hei de te querer como quero agora. Não ouso confessar hoje ou em outro dia que meu amor por você é mais puro que o da virgem maria. Se não me falha a memória, nossa história fala por nós. Só vemos os pontos do bordado da vida, mas é no arremate que damos os nós. Não, não fala do que não conhece. Amor que é amor não se esquece. Tudo o que só somos, somos juntos. Nossas partes formam com arte o nosso conjunto. E se meu coração é um pilão, a todo segundo quebra um grão de paixão. E paixão que foi liberta ninguém prende. E do amor dado não se arrepende. ...
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22/11/2015 - Jardim vazio

Olhei pro jardim não vi flor nem capim. Assustei com tudo desflorido, desverdeado, revirado. Ai de mim, fiquei abobado. Os girassóis se foram, ficamos sós como sóis. Sóis desertos. Sóis sem fetos. Sóis nada pertos das suas luas. Jardineiras nuas. Quintais brasileiros. Canteiros sem camélias, astromélias, bromélias. Uma antiprimavera no mundo inteiro. E eu sem saber se semeava, se ressemeava ou se corria do verbo desaparecer. Eu não sabia se chorava ou se morria de dizer: Cadê? Cadê? Cadê o buquê? Cadê o ramalhete? Sumiram por quê? Das rosas não sobraram nem as prosas. Das hortênsias ficaram as inflorescências. Das papoulas não restaram nem as tolas. Das margaridas foram todas idas. As primaveras, em todas as suas eras, foram dadas como lidas. E o jardim da minha vida desbotou, mirrou, murchou, acabou... O jardineiro se despediu. O florista fugiu. O floreio faliu. E do amor-perfeito urgiu o vazio.


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21/11/2015 - Ela virou vagalume

E ela se desprendeu da mão do pai e correu no meio dos vagalumes, como se eles fossem estrelas beirando o chão e ela uma menina, apenas uma menina, imersa, totalmente imersa, na imensidão. O pai achou graça da menina dançando, saltando, cantando, rodando por entre os vagalumes. Foi alegria, contentamento, euforia, sentimento, perfume. Ela falou que seria vagalume, o pai não deu atenção. Achou besteira, bobagem, coisa de que não tem idade ou própria vontade. O pai se distraiu, a menina se abstraiu e ninguém viu o caminhão que cortou o estradão sem farol, sem buzina, na banguela, na surdina. O pai gritou, chorou, esperneou e a menina nem escutou. Por mal ou pro bem, ela cumpriu sua sina e virou vagalume também. O pai achou que ela acabou, mas ela, na verdade, iluminou.


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20/11/2015 - Mãos que faltam

Olhando para o ontem, hoje faltam mãos para catar feijão, pra quarar a roupa, para engomar os colarinhos, para bater as claras em neve, para mexer as brasas do fogão a lenha, para escrever com giz nos quadros negros, para bater as teclas das máquinas de escrever, para dar corda nos relógios, para colocar a ponta da agulha no vinil, para reger as juntas de boi do carro, para socar café no pilão, para afinar viola, para bater figurinha, para fazer carrinhos de lata, para fazer a corte, para virar a antena da televisão, para pregar botão nos olhos da boneca, puxar a cadeira para sua dama, para subir em árvore, para achar a estação no rádio, para semear a lavoura, para carpir quintal, para debulhar lágrimas, para jogar bola de gude, para enrolar bola de meia, para acender o lampião, para selar cavalo, para pendurar balanço, para cuidar do seu amor.


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19/11/2015 - Breve e certa

A felicidade rompe quando a tristeza se corrompe. Aproveite as falhas do triste. A felicidade é a brevidade do que existe. Ninguém é feliz para sempre, mas todo mundo pode ser fruto, flor e semente. Basta aproveitar as oportunidades. Basta não querer viver de saudade nem de anti-realidade. Não morda a isca da felicidade distante. A felicidade, como amante, mesmo abstrata e proibida, deve andar perto. A vida é um deserto, então, aproveite os oásis que surgem como miragem em seu caminho. A agulha por mais pontiaguda precisa da maciez do linho para dar os pontos necessários no destino. Se o espelho mostra um homem é porque um dia já aprisionou o menino.


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