Daniel Campos

Prosas

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13/12/2014 - Lua e terra

A terra podia ser quadrada, triangular, hexagonal, mas quis o deus do princípio que ela fosse redonda, como a lua que ronda meus olhares em tantos e quantos luares como se minguantes ou crescentes fossem meus radares para o que há de fantástico nesta redondice que me move em direção às novas ou cheias numa terra de ninguém e de sonhos em que o Santo Jorge salvou a princesa do dragão, em que os noivos se deleitam em mel, em que os ratos comem como queijo, em que o homem ousou pisar quando devia por lá chegar ter ajoelho como um altar sagrado aos poetas que viajam à lua todo bendito redondeando aquele território que é a parte romântica da terra, até os piratas com seu rum a namoram querendo conquistá-la, lua e terra ligadas por um cordão umbilical de poesia, cordão prateado, amarelado, azulado, rosado e até esverdeado quando a lua de Olorum é visitada pelos caboclos da alvorada numa festa de energia que renova a lua, a lua, a lua, coração de deus por nós flutua.


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11/02/2012 - Lua em cena

Quando a noite entra em cena, a Lua encena o seu drama particular. No palco da escuridão, ela é o próprio holofote, aquele que aponta para si mesma, fazendo-a soberana em seu monólogo lírico, em seu dueto onírico com as estrelas, cometas e humanos apaixonados, que a aplaudem e a cultuam como uma espécie de divindade teatral.

Sacra e obscena, a lua encena um infinito de mulheres. Ela é a mulher misteriosa perigosa que habita a lua minguante. Ela é a mulher de personalidade forte, plena de autoridade, existente na lua cheia. Ela é mulher repleta de esperança, de desejo de mudança, que arde na lua nova. Ela é mulher que cresce a cada desafio natural da lua crescente. ...
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15/12/2015 - Lua Tupinambá

É a lua, é a lua de Tupinambá clareando a noite de Shangrila. É a lua vermelha, é a lua amarela, é a lua emplumada em feitio de cocar. É lua cheia até de manhã na aldeia de Tupã. E fazendo festa à lua Tupinambá tem estrelas Jurunas, Caipis, Terenas, Carajás, Patachós, Cariris, Canidés, Caiapós, Aranãs, Yanomamis, Macuxís, Tiriós, Tabajaras, Apurinãs, Anambés, Tupiniquins, Ticunas, Caxixós, Bacairís, Tuiucas, Canoês, Kamayurás, Xavantes, Enawenê-nawes, Tumbalalás, Guaranis, Suruuarrás... Estrelas ao redor da lua cheia, da lua inteira, da lua verde, da lua das matas, da lua das cachoeiras, da lua das cordilheiras, da lua das fogueiras, da lua mais guerreira, da lua, daqui e de lá, Tupinambá.


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25/01/2012 - Lua uivante

A lua uiva no céu deixando claro seu parto permanente de estrelas. A lua quase nunca relaxa ou dorme, está sempre acesa e desperta. Alimenta-se dos flertes dos enamorados que a adoram. A lua é o aconchego de tantos sonhos. Ela se queima ao sol e se molha numa chuva de meteoros só para brilhar por nós. É um caso de paixão explícita. Mesmo quando nova, traz consigo o peso das coisas. A lua desta noite já foi muitas outras luas. A nossa lua já foi de muitos.

A lua uiva lá fora agitando as marés, as barrigas, as sementes, os ventos, os pensamentos. A lua mexendo com vivos e com mortos, com este e outros tempos. A lua e seu obscuro prazer de ficar acordada quando todos dormem. A lua imersa na escuridão e no silêncio dos astros. Por minutos chega a ser absoluta. A lua tão rica de emoções e de fatos é um romance a céu aberto. Quantos mistérios sem resposta caminham em sua atmosfera? ...
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17/10/2014 - Lua verde

Ouvi a mata estremecer. Vi a mata relampejar. Salve os caboclos de Oxóssi e o povo verde do rei Tupinambá. São cavaleiros de luz. São redes magnéticas. É cacique elevando uma seta branca. É a força nativa. O senhor das matas cortadas pela água doce de Iara. Salve os herdeiros do tempo. Salve os cavaleiros verdes, cavaleiros especiais. Salve as energias renovadoras. Salve a sabedoria dos pretos velhos. São mãos curadoras. São palavras singelas. Os pretos velhos falam baixinho e os índios fazem estardalhaço pelas matas que guardam mistérios. As pedras já viram tanto, mas não podem falar com homens. Os seres encantados se respeitam. Salve o verdume das coisas. Salve a encantaria das matas virgens, das matas frondosas, das matas verdejantes. Salve as lanças divinas. Salve as árvores que caminham. Salve a lua verde, a lua de Oxóssi.


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10/02/2015 - Lua vermelha

São Jorge que baixe suas armas e não tenha ciúme porque eu vou pra lua eu vou. Eu vou pra lua vermelha que mais parece um vulcão suspenso no espaço. Eu vou pra lua como abelha vai pra lua de mel. São Jorge acenda o farol pra me guiar. Eu vou para lua em seu período fértil, corada e mansa, pronta para se dar por inteira. Eu vou para lua vermelha pois meu desejo já é bem maior que uma centelha. São Jorge abaixe a lança, por favor, perdoa o meu amor lunático. Já comprei até um foguete, um ramalhete e escrevi o bilhete para me declarar. Ninguém vai me segurar, eu vou pra lua, quando o sol baixar.


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Lua... aí vou eu!


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20/05/2008 - Lugar comum

Nada de novo. Tudo no mesmo lugar. As ruas vão e vem. Os pássaros vão e vem. Os felizes vão os tristes vem. A vida vai e vem feito um bumerangue na mão de um menino. E olha a gente ai, no mesmo do mesmo do mesmo lugar. E olha a gente ai, a ir e a voltar como ondas de um mar imenso e propenso a marear. O dia de amanhã é igual ao que é hoje que é igual ao que foi ontem. A rotina nos tritura com seus dentes afiados e mastiga nossos sonhos, nossos planos, nossos projetos como chiclete barato.
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31/05/2012 - Luislinda de Iansã, olhai por nós

A Bahia tem Iansã, a Bahia tem Luislinda. Luislinda da Baía de Todos os Santos. Luislinda dos Caminhos do Sertão. Luislinda do Vale do São Francisco. Luislinda de São Salvador. Luislinda da Orla, das rodas de capoeira, dos manguezais. Luislinda dos pescadores, dos catadores de marisco, das lavadeiras. Luislinda dos dendezeiros, dos coqueirais, dos cacaueiros. Luislinda das raízes negras, do povo de Luanda. Luislinda dos Filhos de Gandhi, dos terreiros, das periferias. Luislinda, farol dos baianos. Luislinda das rendas, dos berimbaus e das oferendas. Luislinda, aplicadora e defensora das leis. Luislinda das Cidades Alta e Baixa, das estradas, dos mares e dos céus. Luislinda dos navegantes, dos feirantes, dos pequenos que se tornam gigantes. Luislinda sem preconceito, do combate às desigualdades e da afirmação dos direitos. Luislinda, força das tempestades. Luislinda de tantas lutas e cartas e gritos de alforria....
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09/03/2008 - Luislinda de Todos os Santos

Faltam doze minutos para as três da tarde. Com uma caneta e um amontoado de papel em branco, chego ao décimo andar da Câmara dos Deputados. De frente a um jardim de inverno florido de pássaros e de uma janela panorâmica para a Praça dos Três Poderes, espero. De repente, daquele carpete verde, brotam duas orquídeas negras. A primeira, minha amada mais amada para valer. A segunda, desconhecida até então, seria aquela que me adotaria como mais um de seus tantos filhos.

Ao apertar a mão daquela senhora de passos firmes, escuto os gritos de escravos, algemados e torturados; calo-me no desespero de mulheres discriminadas e exploradas; sinto o suor de uma pátria miserável que "vai levando" e sofro a dor do preconceito que marca, a ferro e fogo, pessoas que, na teoria, são iguais. Diante daquele encontro, vejo que aquelas palavras bonitas da Constituição, no dia a dia de um povo guerreiro, não valem de nada....
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