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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 312 de 320.
Presente
A luz do abajur se espalha cansada. Os olhares não sabem se ficam nos ponteiros vagarosos do relógio ou nas bordas do horizonte escuro. Na verdade, ficam nas tantas coisas que ficaram e não eram para ficar. Uma sede de amanhecer. De se encontrar com o novo. Mesmo que o novo se resuma a uma folha de calendário. Não importa. A possibilidade de se livrar desse tempo presente traz-me um certo alívio. Aos pés da cama, alguns frascos de remédio. Calmantes. As doses aumentam, noite a noite, mas de pouco valem. O corpo parece hipnotizado, tomado por uma espécie de insônia. Os discos são os mesmos da noite anterior. As páginas dos livros são as mesmas de anteontem. Até os passos que riscam o piso são os mesmos de duas ou três semanas atrás. Não se sabe mais se é calor, ou febre ou qualquer coisa que faça mal. Perdi a conta das vezes que o corpo entrou debaixo do chuveiro. Mas até a água parece ser a mesma das vezes passadas. Não existe nenhum sentimento novo rondando no ar. Até os olhares são os mesmos. Os mesmo olhares nascem em outros olhares como um filme que não valeu. Mas quem sabe, quando o dia amanhecer, o mundo seja diferente. Quem sabe, quando o dia amanhecer, a luz invada o útero daquele velho mundo e fecunde ali, outros sonhos, outros sabores, outros tempos.
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Previsões
Um dia, não sei há quanto tempo distante de mim, a mulher do poema estará solitária em casa. Estará à vontade, vestida de pés descalços e uma calça qualquer. Sozinha, do verbo solidão, divorciada ou à espera de um marido. Por quem espera pouco importa, em qual cidade, sob qual motivo... Não sei. Profetizo apenas que ela estará em seu quarto abrindo e vasculhando gavetas à procura de não sei o quê. Talvez buscasse algo tão irrelevante que nem valha a pena descobrir. Procurará as voltas com uma ansiedade já conhecida. ...
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Primavera de esperas
Primavera. Oficialmente, os calendários manifestam a estação mais esperada pelos apaixonados de carteirinha. Consciente disso, mas não sei se por isso, ela tinha um sorriso mais farto no rosto. Na mesa de centro, um jarro com alguns copos de leite. Eles não precisavam da primavera, davam quase o ano todo, mas na primavera pareciam mais vistosos, mais brancos, nascidos de algum seio. E ela adorava copos de leite.
Gostava também de ir ao armário embutido do seu quarto e sair de lá com um vestidinho leve e florido, com umas sandálias rasteiras e com uma fita no cabelo. Saía caminhando por sua rua à sombra dos ipês amarelos que não existiam ali. Como sonhava com aqueles ipês. Sentava-se à sombra de uma árvore que além de não ser ipê não dava flores. E ficava por ali, à espera de alguma inspiração de primavera. Quem sabe o vento lhe soprasse a melodia de uma música e ela pudesse ir ao piano. Piano que não tinha. Quem sabe escrevesse algum poema, mas nunca escrevera um verso sequer. Quem sabe surgisse um grande amor, mas ela sabia que grandes amores não se esperam. ...
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Principado
Depois do baile, quero encontrar teu rosto. Depois das músicas, teu vestido. Depois das linhas, teu texto mais íntimo. Talvez não me convide. Talvez me agrida. Mesmo com todos os riscos, quero encontrar teus últimos passos no salão vazio. Não sei se irei segui-los, mas quero encontrá-los. Quero encontrar tuas confissões pelos cantos, amordaçadas por algum capataz do silêncio. E quem sabe ainda dê tempo. Tempo de uma dança. Tempo de te ver dançar. Quem sabe a música não volte. Quem sabe algum compositor perdido na noite ou no fim da noite resolva se perder por ali. Talvez esteja cansada. Os cabelos talvez já estejam de outra cor. Quem sabe acabemos com a última nota. Quero encontrar teu sorriso após o baile. E se eu não souber dançar? E se não quiser conversar? Deixaremos nossos olhares num balé de silêncios como sempre fizemos. Olhos nos olhos. Silêncio. Os movimentos exaustos. O corpo amarrotado de cumprimentos. Ao fim das contas, o baile será teu. E depois daquela nossa dança de silêncio, com os olhos sonolentos, talvez queira um prato de talharim. Massa. Não conheci ninguém que gostasse tanto assim de massa. E mesmo com manequim de bailarina, certamente, tocará no assunto das dietas, dos regimes. Coisas de mulher. Mas logo jogará todas as regras e dogmas para o alto. Coisas da menina que nunca lhe deixara ou que você nunca quis deixar. Não sei. E, cambaleante de ilusão, sairá escorada na minha contradança. Num último ato, levaremos as últimas luzes do baile para a chama de uma vela solitária. Uma vela ardente dividindo a cor e o furor dos nossos olhares. E se houvesse vento a chama bailaria em silêncio nos olhos que sempre se silenciaram. Se houvesse vento...
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Promessas de cacharrel
Os microfones dispostos em meio aos arranjos de flores envelhecidas aguardam o começo da cerimônia. Atrás de uma plaqueta com inscrições minúsculas, ela se escondia. Mas a mulher, respeitada em todo o mundo, doutorada em micro-partículas, era tomada por uma vontade de falar coisas macros. E no seu entender, o céu, o sol, o amor eram macros. Enquanto outros especialistas da área faziam análises ligadas ao comportamento humano diante das micro-partículas, ela queria falar de amor.
Uma sensação de falta de ar, embora alguns ventiladores tentassem imitar um vento que não existia. Faltava espaço. Uma multidão se aglomerava e se confundia. Os rostos tinham as mesmas expressões, os mesmos desenhos. As luzes frias roubavam o brilho que restava em alguns olhares. As flores se esparramavam secas, embora fosse primavera....
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Comentários (1)
Prova de amor
Por todo o sempre, hei de lhe amar, adorar-lhe e lhe mostrar que o amor, de fato, existe. Por todo o sempre, hei de cultivar a esperança de tê-la ao meu lado. Por todo o sempre, hei de fazer cumprir este juramento ? amar-te, por mais que me doa a dor da separação. Por todo o sempre, hei de lembrar da tua boca, morada perfeita dos sonhos que eu sempre trouxe em mim. Por todo o sempre, hei de ter em mim a marca dos teus olhos, que de tão doces ferem de contentamento a coisa amada.
Por todo o sempre, hei de pensar em você... a forma como amanheceu? A roupa que veste? Está com vontade de quê?... Por todo o sempre, zelarei por ti a espera de teus cuidados. Por todo o sempre, a cada nascer do sol, hei de me consagrar a você. Por todo o sempre, hei de me perguntar - por quê? Por todo o sempre, hei de me referir a você como o meu amor (e nunca o tempo vai atrofiar esse amor, posto que não tem forças para isso). Por todo o sempre, hei de lhe agradecer (você fez valer, pela primeira vez em minha vida, o meu amor poeta). ...
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Quadro a quadro
Os passos demoravam a mudar. Tinham a lentidão de uma terra que demorava vinte e quatro horas para dar uma volta em torno de si. Era tempo demais para quem sempre levou a vida de forma ligeira. Naquele corpo farto de tempo, a pressa do mundo. Andou com sete meses e três semanas. Nasceu com oito meses. Foi gerada uma semana antes do casamento de seus pais, num ato escondido, no celeiro da fazenda. Falou antes de completar um ano. Foi a primeira de sua turma de amigas a beijar. Foi correndo embora de casa quando ouviu o primeiro convite de amor eterno. Escapuliu dos olhos do pai no lombo do cavalo mais veloz da fazenda. ...
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Quando em seu colo
Quando em seu colo, nada mais existe. Eu me absorvo e me sorvo de mim mesmo, quando em seu colo. Quando em seu colo, o mundo perde um pouco de seu azul e fica mais lilás - a mais feminina das cores. Quando em seu colo, ouço os gritos da fêmea que há em você. Quando em seu colo, sinto-me numa espécie de casulo, de cápsula, de semente... tenho a sensação de que vou ganhar um novo mundo a qualquer momento. Quando em seu colo, sinto o perfume de romã de sua boca rompendo todas as minhas manhas e manhãs. Quando em seu colo, a dor desaparece. Os pecados passam de sete quando em seu colo. Quando em seu colo, sou um pouco mago, feiticeiro, bruxo de mim mesmo. Quando em seu colo, acredito no amanhã. Quando em seu colo, os sabores são mais intensos. Quando em seu colo, sinto-me no meio de uma plantação de morangos. Os trens, os navios, os cavalos param por respeito ou por medo, quando em seu colo. ...
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Quatro paredes
Os batimentos cardíacos parecem mais nítidos. O silêncio, definitivamente, está encarcerado. O espaço é pequeno. As pernas, por mais que queriam, não conseguem ir além de três passos. E os passos andam e andam, em círculos, e estão sempre no mesmo lugar. Depois de gastar os pés no concreto áspero e mal acabado do chão, o corpo decide sentar-se. O cansaço é de angústia. Não há mais sapatos embebidos de cera, calças finas, camisas de mangas cumpridas... O que existe são trapos e um corpo exposto. As lembranças surgem ao meio das baratas que ficam paradas nos dos cantos que me cercam. A barata me olha com olhos de sabe-se lá o quê. Não sei se elas sentem alguma coisa ou se elas só desejam um farelo do pão que quebra no canto da boca. Queria ouvir alguma música, mas meus discos estão mudos. As palavras estão caladas. Daqui não vejo a lua em nenhuma de suas fases, apenas um tucho negro invade o ambiente. O cheiro de mofo aumenta a cada aparição dessas sombras. Nas encostas já há alguns musgos que crescem viçosos. Do meu lado, amarrado por correntes, os ossos de um romântico que dizem ter morrido de amor. Amou quem não podia. Amou como não podia. Amou quando não podia. Dentre tanta miséria, um copo de cristal ainda resta em minhas mãos. O cristal fino e frágil. O copo, que não sei se vazio ou cheio de sangue, continua debruçado sobre a poeira. Chega! Não irei mais inventar histórias para traduzir a solidão de quatro paredes a qual eu me condeno... O meu sul é uma parede de pedra. O meu norte tem tijolos. O meu leste tem rachaduras. O meu oeste tem teias de aranha. Quatro paredes de um mundo que por mais que eu tente escapar, romper, pular, derrubar... Prendem-me à ilusão da mulher amada. ...
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Quem somos?
Quem somos? Somos milhões de brasileiros a procura de uma razão de ser. Milhões de brasileiros perdido num oceano repleto de promessas e ilusões. Náufragos que nadam, nadam no vazio de um destino incerto, sem conseguir encontrar no horizonte a imagem de um porto seguro.
Milhões de brasileiros que não se encontram consigo mesmo, tampouco com os outros, convivendo com uma ausência de ideais, ou melhor, tomados por interesses indesejados numa inconsciência cotidiana, que se manifesta de forma tão natural. Onde estão nossos projetos, nossa vida, a utopia que sempre nos ajudou a sobreviver. Hoje, caminhamos com lenços e documentos, nos embriagamos nos cálices que não envolvem, contrariando chicos e caetanos num gesto que nega o que pouco temos....
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