Daniel Campos

Prosas

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O sonhador do novo oeste

Bom-dia senhores passageiros. Quero um minutinho da sua atenção. Estou desempregado e por isso estou vendendo canetas. Minha mãe é doente do coração, tenho cinco irmãos pequenos e tenho que ajudar nas despesas de casa. Se vocês não puder comprar a caneta, podem me dar qualquer ajuda. Muito obrigado. Tenha uma boa viagem!

Brasília, primeira quarta-feira de agosto, 7h45, via W3, sentido norte-sul. Um ônibus verde e trêmulo pára em frente ao supermercado Carrefour Bairro nas imediações da quadra 712 Norte. Pela porta traseira entra um jovem de calça jeans descorada e camiseta com listras azuis e brancas entra no ônibus. Com gestos rápidos, distribui canetas de plástico colorido. São canetas amarelas, azuis e vermelhas. Preso em cada uma das canetas, um papelzinho retangular com a seguinte inscrição:...
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O sonho acabou

Enquanto degusto uma boa média composta por um pãozinho francês de cinqüenta centavos e uma xícara de café inflacionado, fico sabendo que o mexicano Carlos Slim ultrapassou Bill Gates na lista dos mais ricos do mundo. Mas o que me interessa saber que o líder do clube dos ricos tem 67,8 bilhões de dólares contra 59,2 bilhões do segundo colocado? Que apenas um quarto dos países do mundo é mais rico do que a fortuna de Slim? Que o patrimônio desses dois é maior do que a soma de todas as riquezas produzidas em Cingapura, que é um dos badalados tigres asiáticos? Resposta: tudo....
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Comentários (2)

O teatro das luzes seminuas

Com o atraso costumeiro do último convidado, o escuro tomou uma multidão de olhares sem sequer tentar alguma desculpa. Rapidamente, as luzes brancas, amarelas, vermelhas explodiram em milhões de quase-noites. "Quase" porque ninguém se deparou com os rastros de uma estrela ou, com as caudas picotadas de um cometa ou com o vôo tonto de um vaga-lume. Por detrás das cortinas, o teatro se tornava um deserto escuro, povoado por esperas que, de aflitas, ficavam tontas como os vaga-lumes que não existiam ali....
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Outra vez solidão

O giro da chave era como um sim. Sim. Aquela mulher estava decidida. Não sabia se estava apaixonada, amando, se iludindo ou se a última caixa de remédios que tomara para impressionar a mãe havia afetado seus pensamentos. Mas o importante naquele momento não era a causa. E sim a decisão. E a decisão estava mais do que amadurecida. Afinal, ficara a noite toda pensando. Ou melhor, as últimas noites. Trocara o sonho com roupas de grife, por um sonho mais real. Ao menos, ela achava que o sonho poderia ser mais real. ...
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Pantofobia

Medo de bala perdida. Medo de juros bancários. Medo da cotação do dólar. Medo de se envolver demais. Medo de dar e de não dar esmola. Medo aéreo, terrestre, aquático e até subterrâneo. Medo do aquecimento global. Medo de calorias. Medo do estresse. Medo de andar na rua à noite e durante o dia também. Medo de sinal vermelho. Medo de não ficar desempregado. Medo de politicagem. Medo dos extremos. Medo dos ácaros. Medo do diferente. Medo da dor. Medo de lugares fechados e abertos demais. Medo de vento, de redemoinho, de furacões e de outras variações do sopro divino. Medo de ficar sozinho. Medos das flores do espinho. Medo do fracasso. Medo de fenômenos cósmicos. Medo de ser roubado. Medo do espelho. Medo do conhecimento. Medo da segunda-feira. Medo de estar sendo vigiado. Medo de se apaixonar. Medo de ser avaliado negativamente. Medo de pensar. Medo de envelhecer. Medo de sentir prazer. Medo de tecnologia. Medo de mudanças. Medo de sonhar. Medo de ter responsabilidade. Medo de ser tocado. Medo da exclusão. Medo da felicidade. ...
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Para além do espelho

- Oi.

Silêncio.

- Eu acho que não nos conhecemos?

Silêncio.

Silêncio.

- Você se lembra de mim?

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

- Você está de passagem?

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio.

Você não vai dizer nada, não é?

Silêncio.

Silêncio.

Silêncio....
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Pela frente ou pelas costas?

A campainha se oferecia, se esticava, tentava ser uma perna cravada na parede... Mas suas mãos de esmalte corroído por dentes nervosos temiam-na. Ou melhor, temiam o que existia por detrás da campainha. O portão, feito com um jogo de barras de ferro, impediam seus olhos de avistar o que existia lá dentro. Ela rabiscava os ouvidos naquele concreto grosseiro do muro só para ver se escutava algo. Ela só ouvia os tijolos conversando. Ela ficava sem graça quando algum vizinho começava a olhá-la com um pouco mais de atenção. Logo disfarçava, fingia estar esperando ônibus, depositando cartas (levava sempre envelopes na bolsa) e até ser uma moradora daquelas calçadas....
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Pensamento

O tempo levanta escuro. Um cinza quase negro. O vento se mostra selvagem. Vira de um lado, vira de outro. Não sossega. Como um cavalheiro, dobra a cintura das árvores em sua dança. Como um sedutor barato, parece querer abocanhar todas as folhas. Folhas verdes. Folhas vermelhas. Folhas amarelas. Folhas rodopiando no ar. Vez ou outra, um barulho de manga caindo no chão. Em meio aquele vento, nem as abelhas conseguem se sustentar no ar e assim, rodopiam. Venta. E o vento varre as águas do lago. Sereias e botos se escondem. Venta. E o vento vasculha cada palmo de terra, descoberto ou não. O vento parece procurar alguém. De repente, uma nuvem de poeira passa apressada, com medo de se molhar. Os olhares se enchem de céu. Um céu que ronca. O medo de chuva de pedra. Trovões. Os cachorros se protegem como podem. As cigarras mais abusadas ainda cantam. As portas batem. Os pedidos para que a chuva venha calma se proliferam. Os relâmpagos e seus clarões iluminam os rostos. Por alguns instantes, alguns rostos surgem como há tempos não se via. Já há quem providencie panelas para capturar as primeiras goteiras. Já há quem queime palma benta, jogue sal grosso no terreiro, invoque a proteção de santa Bárbara. E ela, a chuva, chega. Primeiro, um chuvisqueiro prematuro. Uma pausa. Depois, ela se entrega. O vento ainda carrega suas águas. O pó se cala no chão. A terra escorre suculenta. As nuvens se cruzam ligeiras. De repente, um pássaro se arrisca num vôo solo. O tempo fechado como poucas vezes fora visto. O horizonte some. A chuva que desaba no lago é a mesma que se transforma em algumas gotas numa teia de aranha. Alguns conversam, outros se aquietam e deixam seus olhos correrem para aquele mar de ponta cabeça. Olhos piratas que velejam em busca de alguém.


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Per fumum

Não vejo nada, tampouco ouço. Hoje, sou só um nariz andando pelas ruas. Pelas ruas de fora, pelas ruas de mim. Sou como aqueles cães farejadores que se guiam pelo tempero dos cheiros. Quero viajar no mundo das memórias olfativas e resgatar todo afeto transformado em perfume. O momento é deveras apropriado, afinal estamos na primavera. Assim como os amores e as cores, os cheiros são mais possíveis nessa época.

Lembre-se do cheiro da infância, do cheiro de mãe, dos cheiros da casa, do jardim, da rua, da escola, da cidade e de outras cidades. Vamos descobrir o que está escondido atrás do mundo feito de imagens. Enquanto o paladar só distingue seis ou sete sabores, os narizes captam milhares de cheiros. Eu, por exemplo, guardo imagens e sons relativos a Ayrton Senna, mas a emoção vinda do odor dos pneus queimados do tricampeão de Fórmula-1 é algo inexplicável para os outros sentidos. ...
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Perturbadora

Cumprindo uma espécie maldição, ela estava lá. No mais improvável do improvável, lá estava ela. E pior, ele nem sabia quem ela era. Mas sabia que ela o seguia, mesmo sendo a primeira vez que a via. Talvez ela já aparecesse de outras formas, de outros jeitos, mas com o mesmo frio na sétima vértebra. E ele era supersticioso por demais. Aliás, tudo dele era por demais. O nervosismo levava as unhas, como cordeirinhas, a sua boca. Mas dali a pouco ela iria embora. Afinal, eram tantos ônibus, tantos trens, tantos aviões, tantos submarinos que poderiam levá-la para longe. Tudo acabaria em alguns poucos segundos. Não havia razão para tanto. Ou havia?...
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