O teatro das luzes seminuas
Com o atraso costumeiro do último convidado, o escuro tomou uma multidão de olhares sem sequer tentar alguma desculpa. Rapidamente, as luzes brancas, amarelas, vermelhas explodiram em milhões de quase-noites. "Quase" porque ninguém se deparou com os rastros de uma estrela ou, com as caudas picotadas de um cometa ou com o vôo tonto de um vaga-lume. Por detrás das cortinas, o teatro se tornava um deserto escuro, povoado por esperas que, de aflitas, ficavam tontas como os vaga-lumes que não existiam ali.
Pelas costas daquela noite improvisada escorriam as notas de uma música qualquer. Música que surgia, envolvia e se oferecia, num caminho de decotes, com o lirismo da dama de um cabaré.
Enquanto distraía e afogava o sol em seus seios, a noite procriava criaturas com traços de uma beleza arrependida. Criaturas que ora eram mulheres cotidianas, ora eram noivas suburbanas, ora eram fantasias desumanas. E o escuro era levado ao desespero, quando braços e pernas, entre as suas cruzas, geravam luzes seminuas.
Sem medo da escuridão, elas se enfeitavam com as alucinações provocadas por aquela noite fora de horário. Vinham e, sobretudo, vinham vestidas com a espuma das taças de champanhe que foram esquecidas ao relento pelos crentes de sonhos e outros delírios.
Entre vôos e saltos, as mulheres caminhavam enigmáticas como cartas de baralho nas mãos de um mesmo perdedor. Dentre os olhares tomados pelo escuro, havia quem observasse, quem aplaudisse, quem bebesse aqueles corpos com a sede de quem bebe uma promessa ainda não destilada.
Num momento imprevisto o palco desaparecia naquele mar escuro e elas pisavam, como bailarinas cegas, nas linhas do útero da noite, exposto como uma fratura. Uma ruptura no cordão umbilical de qualquer realidade mais sóbria. Daquelas mulheres que se encontravam como dias que não se acabam por si só, surgiam vontades de se entregar à escuridão num mergulho sem desfecho.
Se não bastasse as magias nascidas de parto normal, elas, as mulheres, invocavam, como feiticeiras da zona-sul, a quinta fase de uma lua. Uma fase em que da lua, em noite baixa, só restaria o sexo. O restante se perderia em seus quartos escuros.
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