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Encontrados 56 textos de janeiro de 2016. Exibindo página 2 de 6.
26/01/2016 -
Frutos da insaciedade
Um só amor não basta à mulher que carrega o coração oco no peito. E vai tentando ter árvores cada vez mais altas e vistosas, floridas e carregadas de fruto, mas caindo sempre pelo machado da ilusão vê em sem meio a tocos. As paixões que vai buscando a todo custo se alastram feito queimada devorando tudo, devastando seu mundo. Ela mesma, na sua insaciedade, consome todo e qualquer sonho. É árvore, mas também é a formiga, o formigueiro, que corta suas folhas. É árvore, mas também é a broca que fere o seu tronco e, sem que ninguém perceba, mata o seu cerne. É árvore, mas também é a mosca que apodrece seus frutos, o vento que derruba suas flores, a enxurrada que desterra suas raízes. Podia ter uma arvorezinha linda e firme, mas quer ter várias árvores em um só tronco, mais frutos do que suportam seus galhos, flores tantas e complexas que um só pássaro não consegue fecundar. E com isso acaba se extinguindo antes de se perpetuar. ...
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26/01/2016 -
Olhos nos olhos
De repente,
Desfez-se a razão
E me despi
Do corpo
E de todo peso
Lastro e nó
Então só vi
O ausente
Nos olhos seus
Frente aos meus
Não era de deus
Nem do debaixo
Era algo por entre
O que procuro
E o que não acho
Um diacho
De um quê tênue
Como buquê
Seguindo na mão
De alguém, de quem
Não se sabe noiva
Mas carrega em si
Um amor tão
Sublime de fé...
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25/01/2016 -
Fugindo do ancoradouro
Outro navio chegou, aportou no porto das seis, e ela não chegou, não chegou outra vez. Ela ainda baila pelas águas e se a maré descer pode ser que ela chegue quando as mágoas baixarem. Pode ou não acreditarem, mas ela virá. Por enquanto não veio, mas o mar ainda está cheio e pode ser que será que quando menos se esperar ela estará entre nós fazendo pós em apaixonamento. Encantará de cabelos ao vento, de peito aberto e sorriso incerto. Aportará com olhos de maresia, viagens e paisagens a contar, e uma alegria difícil de disfarçar. Só que depois de tanto tempo pelas ondas, balançado para lá e para cá, descobrindo novos mundos e que o oceano não tem fundo, ela nunca mais se prenderá. Será como brisa que bate e alisa, que chega e desliza para longe. Terá tanto a dizer e ao mesmo tempo um silêncio de monge. Sinto esclarecer, mas quem chegar como âncora, ela despistará e no primeiro sopro suas velas há de inflar e tocar para o mar.
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25/01/2016 -
Santo inhambu
O inhambu
Vou, cantou,
Bailou, vou,
Vou, pousou
Sem galhardia
Na galharia
Do umbu
E nem vermelhou
De estar nu
Completamente
E inocentemente
Nu
Feitos os índios
Povos ameríndios
Quando o branco
Aqui chegou
Vestido de santo
Mas quem disse
Que santo se veste?
Mas que tolice
Santo que preste
É igual inhambu
Livre, belo e nu
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24/01/2016 -
Casório e mais casório
Hoje o dia amanheceu de casamento. Seu galo cocoricou chamando a galinhada para o altar. A abelha rainha saiu da colmeia para se refestelar nas flores do buquê. E toda mulher amanheceu meio noiva num quê de sentimento sem mais nem porquê. A bicharada se alvoroçou e até dona vaca noivou. Sinhá porca também quis e rolou pela lama mais sinhó leitão toda feliz. O peixe fisgou a companheira de um jeito que até a água do ribeirão borbulhou. E mesmo ela o chamando de cachorro e ele a levando por cadela se casaram debaixo da janela. E o amarelo arisco que só para essas coisas de casar, meio que enfeitiçado, deixou a bichana fazer dele gato e sapato. Teve baile na roça para festejar tanto casório que até o seu Honório, do alto dos seus noventa e tantos, resolveu trocar alianças diante do santo. Menina Helena se derreteu toda quando teve sua mão pedida com direito a viola e poema. Teve serenata, fogueira, amor para a vida inteira e paixão vira-lata, mas o que importou mesmo é que casamento algum foi em vão. E a cigarra casou com a chuva. E o sabiá casou com a laranjeira. E a viúva casou na segunda-feira. E o pescador casou com Maria Lamparina. E o quitandeiro se juntou com Irene do Pomar. O violeiro se casou com a rima. E, no laranjal, a baiana se casou com a lima. O garnisé foi para lua de mel com a cocar. E a tilápia subiu o rio com o lambari. E com tanto casamento aqui, a lua se vestiu de noiva e, toda branca, numa claridade de acordar rouxinol, foi balançando suas ancas ao encontro do sol. E teve casório na roça e baile no céu. E na reviravolta dos contos de fada, pela estrada do brejo, até Rapunzel jogou suas tranças pro Osório, que como não era príncipe a levou direto pro cartório e o juiz de paz os declarou casados e enrolados.
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24/01/2016 -
Me beija
Vem cá
Me beija
Não larga
Deixa essa
Enseja
Amarga
Pra lá
Ora essa
Vem cá
Me deseja
E me veja
Íris araçá
Na beleza
E firmeza
Do jabobá
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23/01/2016 -
Moda, samba e roda
O samba de roda
Não sai de moda
É como camisa
Listrada e galanteio
No malandro
É tal e qual brisa
Que pega em cheio
E sai sangrando
De maresia a alma
Da atriz
Que pede calma
E o público, bis
Não se importando
Se ela está amando
Nem se é feliz
O povo quer espetáculo
Assim como o polvo
Que um amor
Para cada tentáculo
O povo quer é sambar
Dançar, gozar da folia...
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23/01/2016 -
Canoeiro descendo o rio
O canoeiro vai de corpo inteiro descendo o rio. Pelas margens vai vendo a vida passar e se transformar. Quanto mais ele se distância da nascente maior é o ritmo do tempo que vai mexendo com tudo. Vai deixando saudade, lembrança e os sonhos que não conseguiu realizar até hoje. O que ele queria ser ontem e não foi fica pelo rio. O que ele podia ser ontem e já não pode hoje fica pelo rio. O leque de oportunidades perdidas, seja lá por qual razão, fica pelo rio. Já o canoeiro, realizado ou não, segue em frente buscando ser e fazer o que ainda o cabe. E tudo passa a fazer mais sentido, como que o fazendo enxergar pela primeira vez, quando ele descobre que não é ele quem desce o rio, mas o rio que desce com ele.
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22/01/2016 -
Precisitude
Preciso tanto de você
Assim como o cheio
Precisa do vazio
Assim como a criança
Precisa do recreio
Assim como o vil
Precisa da esperança
Assim como o mar
Precisa do sal
Senão viraria rio
E correria a fio
Pelo espaço sideral
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22/01/2016 -
Saideira
O tempo fechou e ela não voltou para casa. Saiu de bar em bar, de boca em boca, fazendo papel de louca. Banalizou as conjugações do verbo amar e numa saideira amou mais do que muitos em uma vida inteira. Amou sem dor nem choro, mas quebrando todo o decoro possível. E se julgando infalível não avisou ou prestou conta dos casamentos e separações que foram acontecendo de repente bem debaixo do nariz da lua. E era vulgaridade demais para haver qualquer saudade. E as lembranças ficaram vazias, como gavetas sem memória. Tudo foi feito com a desculpa da bebedeira, mas todo mundo neste mundo sabe para que e para quem acendem um fogueira, bem como dos riscos de se queimar. E ela foi de braço em braço, de grito em grito, de catarse em catarse sem se preocupar com possíveis danos ou reparações. Quando acordou estava vestida apenas por quintas intenções, literalmente perdida entre razões e paixões tão inconsequentes quão inexistentes.
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