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Encontrados 4 textos de junho de 2008. Exibindo página 1 de 1.
26/06/2008 -
Os pés da mulher amada
Seus pés deslizam em minhas retinas como duas conchas pequeninas vindas de um mar onde Netuno anda a assobiar canções de amor. Lá estão eles, pelas pedras do caminho, brincando de esconder nas frestas da sandália como crianças arteiras. Andam quase que totalmente expostos. São de uma semi-nudez que só aguça os fios da minha imaginação. No entanto, são tímidos como eles só. Em seu dorso, um ramo e algumas flores. Ali, a primavera é eterna. Seus dedos, pequeninos, simétricos, avizinham-se perfeitamente, convivendo em grande harmonia. Se fizer silêncio, é capaz de ouvi-los cochichando alguns versos. Suas unhas, afrancesadas, fazem biquinho antes de aceitarem seguir em frente. Puro charme!...
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04/06/2008 -
Estrada de ferro
Os trilhos
Se põem
Desertos
Como dois
Braços
Estendidos
Rendidos
Esquecidos
De adeus.
Uma brisa
Se agita,
Uma sensação
Palpita
E começa a ventar
Uma tristeza
Bonita.
Como se não houvesse
Mais nada
Nessa estrada
De ferro e pedra,
O trem vem
De longe e apita.
Pouco a pouco,
O mundo vai nascendo
Da trouxa
Levada nas costas
Por um vagabundo...
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03/06/2008 -
Mulher de bagdá
Uma mulher anda pelas ruas de Bagdá. Militares americanos, britânicos, alemães. Escombros. Ruínas. Destroços. Não se sabe se as ruas são feitas de pedra ou se as pedras são feitas de ruas. E por linhas tortas de um destino mais torto ainda aquela mulher de rosto coberto, de braços cobertos, de pernas cobertas caminha descalça à procura de um filho que a guerra levou.
Em cada rosto, um medo.
Em cada medo, um rosto.
Em cada rosto, uma dor.
Em cada dor, um gosto e um desgosto....
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01/06/2008 -
Teatro de domingo
Sabe que dia é hoje? Não responda... Talvez a resposta possa ferir sua boca... Como são ácidos os domingos... Parecem dias insossos, bobos, preguiçosos, mas são ácidos... Ah! Domingo... Hoje não foi dos meus melhores dias... Eu sequer me dei ao trabalho de arrumar a cama... Está desarrumada até agora... Quase não a deixei hoje... E como você sabe, eu não durmo durante o sol... E hoje, mais uma vez, cumpri este escrito... Fiquei na cama, mas fiquei acordado... Acordado em sonhos... As únicas vozes que eu escutei foram por meio do telefone (de uma única ligação que fiz) ou dos discos... O telefone tocou algumas vezes, mas eu não o atendi... Para se ter idéia do meu domingo, eu fui para a cozinha e pus a perder todo o almoço... Não deu para aproveitar nada... Consegui a proeza de estragar tudo e isso já era perto do final da tarde... O que eu fiz? Comi a sobremesa e fiz almoço novamente... Quando terminei não estava mais com fome... Resultado... Jantei o que seria o meu almoço... Para se ter mais um pouco da idéia do meu domingo, fiz algo inédito desde que moro aqui... Não abri a porta de casa... Não virei à chave... Não sai nem no corredor do prédio... Fiquei aqui nesses metros quadrados o dia todo... O problema é que meus passos são triangulares e sempre me falta espaço... E, para agravar o grave, não pretendo sair até amanhã de manhã... Fiz disso aqui hoje uma espécie de casulo... Um casulo de poesia... O máximo que eu cheguei perto do mundo lá fora foi quando eu fui à varanda e vi que arrancaram a grama do jardim aqui da frente... A terra nua... Quantas lembranças me trazem a terra nua... E ainda jogaram um adubo esbranquiçado na terra... Parece neve... Parece sal grosso... Parece blush... Aiai... Domingos... Como eles me consomem... Quando é que a mulher amada chegará com a ilusão da cura... Para curar esse meu mal de domingo... Que ela afaste toda a depressão retida num domingo ou até que exorcize os fantasmas que assombram o domingo... Mas ela precisa chegar rápido, afinal, a cada novo domingo há uma perda... Uma perda de sonho, de esperança, de ânimo, de futuro, enfim, de um pedaço de mim... Os domingos, com seus dentes afiados, dilaceram-me mais e mais... Eles me atacam me abocanham me devoram e depois, deixam-me num canto como animal ferido... E não há como lutar ou resistir ou enfrentar... Os domingos me ameaçam como assassinos e me fazem entregar tudo o pouco que tenho... E se não bastasse todo o cinismo, os domingos debocham da minha espera pela mulher amada... Ah! Quando ela vai chegar, que horas vai bater, qual dia vai subir... É preciso chorar, é preciso gritar, é preciso gemer, posto que, hoje é domingo... E ainda faltam algumas horas para ele se ir de uma vez... E voltar daqui a sete dias... Ó minha amada, escrevo-lhe está carta, mas não sei seu nome, não seu endereço, não sei seu rosto... Só sei que existe... E é por essa certeza, que é mais um sentimento do que uma certeza, que ainda me levanto depois dos maremotos e furacões dos domingos... Domingos de seca, domingos de tempestade... Um dia ela, a mulher amada, há de chegar e me livrar dessa maldição chamada domingo... Há de quebrar o feitiço que uma bruxa me jogou... Mas só há um temor... Se ela chegar num dia de domingo... Como poderei confiar que ela é, de fato, a mulher amada... E se for miragem, e se for uma armadilha do domingo, e se for o próprio domingo num corpo de mulher... O domingo embaralha sentimentos como cartas de tarô... O domingo me dopa, me deturpa, me estupra, me vira de ponta cabeça... E se ela for o domingo, ou melhor, e se o domingo for a mulher amada... O que se há de fazer?... Que ela surja na segunda, na quinta, no sábado... Se ela surgir no domingo, corro o risco de não abrir a porta... E se abrir, corro o risco de não encontrá-la... E se encontrá-la, corro o risco de me perder de uma vez por todas... A mulher amada caminha em uma roleta... E entre o azar e a sorte, que essa roleta não pare na casa do domingo... Se a campainha tocar em pleno domingo e detrás da porta estiver a mulher amada... Que venha a morte, num súbito, posto que perdi...
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