Daniel Campos

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Luz, câmera, ação!

A cidade ganha luzes.
Os postes inclinam seus amarelados para o mar de piche.
As luminárias nas praças parecem mulheres grávidas - redondas e misteriosas.
Os lustres das igrejas testemunham casamentos.
O tio do cachorro-quente improvisa um bico de luz na calçada.
Os lábios da moça festeira ganham brilho.
As cabeças dos pensadores ganham idéias luminosas.
A fonte faz a água ter cor.
O lago, sem cisnes, ganha o retrato da lua.
De algumas juras de amor surge uma chama.
As ruas ficam rabiscadas em riscos amarelados avermelhados.
As estrelas tecem os longos decotes da noite.
Os flashes infestam as festas.
Os aviões são luzes que são luzes e sombras.
O sinal demora um pouco mais para sair do vermelho e ganhar o verde.
Os prédios ficam desiguais, disformes, abstratos.
As lanternas seguem nas mãos dos desbravadores.
As publicidades ficam mais atrevidas.
O cigarro fica ainda mais pitoresco, vulgar e oferecido como dama de cabaré.
Os vaga-lumes quase foram extintos junto aos lampiões e lamparinas.
Os que ainda trabalham ganham luzes frias sobre suas cabeças.
Em algum aquário deve haver aquele néon que nada feito peixe.
Uma luz deve chacoalhar sobre as cabeças dos jogadores de sinuca.
Alguém deve estar sob investigação com luzes frontais.
É noite e alguém deve chorar outro alguém no choro da vela.
É noite e o carvão das churrasqueiras assume a cor da tentação.
É noite e a luz da televisão ganha os rostos sem palavras.
É noite e as fogueiras de São João queimam num junho perto e distante.
É noite e o fogo arde no fundilho das panelas.
É noite e a luz sai de cena a pedido do prazer.
É noite e as vitrines querem chamar atenção a qualquer custo.
É noite e as crianças se divertem com brinquedos tão coloridos quanto barulhentos.
É noite e algum cometa explode suas luzes longe daqui.
É noite e algum diretor deve gritar: luz, câmera, ação!
É noite e ela parece esbanjar a luz que acumulou durante o dia.
É noite e os girassóis, que ficaram órfãos do deus do fogo, giram.
Giram como gira-luas à procura da mulher que dá luz à saudade.


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