Daniel Campos

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30/11/2013 - Encontro em três atos (2)

A estrela depois de escutar aquele desabafo apaixonado, completamente inesperado para uma tarde deveras chuvosa, aproxima-se ainda mais da janela de modo que suas pontas chegam a ficar respingadas pela chuva e, ela começa a piscar, numa reação de medo, de emoção ou de curto-circuito em razão do contato com a água. E, do alto daquela janela, observa o sentimenteiro de braços abertos, completamente molhado, esperando por suas palavras e, até mesmo, por um salto em sua direção.

Eu venho de longe, de um reino distante
Não sei o que é o amor dos humanos
No meu universo, amamo-nos sem planos
Com beijos telepáticos, uniões de constelações
Abraços atmosféricos, clarões esféricos
De um prazer tão silencioso quão delirante

Suas palavras percorreram e ecoaram
Em cada uma das minhas cinco pontas
E me giraram e me chacoalharam
Meus sentidos, sendo ao juízo afrontas
Eu perdi a gravidade achei a vaidade
Onde estou? Pra onde vou? O que sou?

Estou perdida e não sei de nada mais
Olha, até minha luz ficou alterada
Eu que brilhava alva, estou lilás
E já tinha ficado avermelhada
Minha energia oscilou, tudo vibrou
Anoiteci. Amanheci. Nem percebi.

Nem sei qual luz irradei e ainda irradio
Para o espaço desde que começou a falar
Luz de socorro? De prazer? De querer?
De nervoso? De derretimento? De unguento?
De quem está fora de órbita ou por um fio
Para explodir toda a luminosidade nuclear?

Foi como uma chuva de meteoros. Por quê?
Pra que você falou essas coisas comigo? Quer
Me ver sofrer? Sabe que está além do querer
Do poder. Sou uma estrela e não uma mulher
Não podemos ter nada um com o outro, por favor
Assuma de uma vez que é impossível tal amor

Por que eu dentre tantas estrelas e humanas?
Sou tão pequenina e tão diferente delas
Tenho meus problemas, meus dilemas
Nem sei onde você vê tantas façanhas
Sou apenas uma estrela escondida, caída
Decidida a ver a chuva passar da janela

Você não vai sair do meio da rua. Basta
De maluquice! Que crendice é a sua
Que o faz acreditar que eu vou pular
Nos teus braços a qualquer hora, nua e casta
Eu tenho meus limites mesmo sendo assim
Como você, tenho começo, meio e fim

Não que eu não tenha vontade de me jogar
De viver algo único neste espaço sideral
Mas preciso ser realista, pensar no depois,
Pois há muito em jogo, sou princesa astral
Não há como viver algo carnal ou se apaixonar
Da forma como você deseja. Me beija

E vai sentir toda a fusão nuclear que me forma
Posso te matar num único beijo. Está certo
De que me quer por perto? Por quem me toma
Humano? Sou das altas hierarquias, filha
Do senhor do tempo, sou luz de sapatilha

Estaria disposto a guerrear por minha mão?
Vai querer enfrentar a ira do ciúme do meu pai?
Vai viajar milhões de anos-luz para me encontrar?
Vai guardar segredo sobre minha massa, composição
Química, idade...? Promete que para de falar com a lua
E que dentre zilhões de estrelas vai me achar e chamar de sua?

Promete que não vai me aprisionar num quarto obscuro,
Numa gaiola, numa cápsula? Não aguentaria viver amarrada
Presa, longe do céu que é onde eu faço por existir
E também que não vai sumir toda noite para dormir no escuro
Longe das luzes que me cobrem dia, noite, madrugada
Afora. Eu tenho uma missão que preciso cumprir com dedicação

Exclusiva. Vai ter que aprender a me dividir com o céu
Tendo a certeza de por mais que me olhem e me queiram
Eu vou ter olhos só e somente só para você esteja
Onde estiver. Quero, enfim, que você se veja
Em meu lugar antes de falar se ainda me quer em
Sua caminhada como um sentimento bem além

Do que está acostumado a viver em suas andanças
Você não sabe o que é viver com uma criatura
Assim como eu - impossível por natureza,
Vamos ter de nos sacrificar e encontrar beleza
Nas horas mais difíceis e fazer da nossa loucura
Um instrumento de esperança e de perseverança

Daqui posso escutar seus olhos e batimentos
E você, consegue ver meu diâmetro, minha rotação,
Meu movimento, minha temperatura, minha evolução?
Consegue ver como estou suando em rios e com arrepios
Além de outras sensações que não devem ser ditas
Como a de meu estômago povoado por borboletas aflitas

Não sei mais o que pensar e nem se devo me segurar
Seus braços me indicam a direção do vôo sem volta
Seus olhos bobos me fazem sentir menina, mulher
Chego a esquecer o que sou e penso em dispensar
Minha escolta de vagalumes... Haja o que houver
Fecha os olhos e descubra que luz tem perfume.

Observação do autor: Amanhã (1º), confira, neste espaço, o último ato desta série. Não perca o dueto entre o sentimenteiro e a estrela.


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