Daniel Campos

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Dor, dor, dor

Que dor é essa que dói
E não descansa
De doer a coisa amada

Que dor é essa que dói
Que rói
Carne, osso e esperança

Que dor é essa
Dor que castiga
Velho, moça e criança

Que dor é essa
Dor que não cansa
De doer

Que dor é essa
Dor que fisga
E não dá liga

Que dor é essa
Dor que ninguém pode
Que ninguém agarra

Que dor é essa que morde
No acorde
Das cigarras

Que dor é essa que transpira
Pesar
E vira mentira na lira
Do chorar

Que dor é essa
Dor que não agüento
Dor de epicentro

Que dor é essa
Que dói sem pressa
E com tanta promessa

Que dor é essa
Dor que violenta
E nos ausenta

Que dor é essa
Dor que não aceita ajuda

Com certeza é dor aguda

Que dor sangrenta
É essa dor corcunda
Que ninguém atura

Que dor é essa
Dor que cavalga
Como cavalo sem cela

Que dor é essa
Dor que galga
E pela

Dor que não se contém
Dor que não se detém
Dor que não provém
De parto, mas de morte

Dor que ricocheteia
Feito chicote
Dor que tonteia
Ao cortar em corte

Dor sem anestesia
Dor sem fantasia
Dor de uma nevralgia
Sem limite ou pudor

Dor de dor
Dor de coisa doída
Dor sentida
De doer copiosamente
E até, indecorasamente

Dor que quebra protocolos
Dor que pede colo
E depois comete o dolo

Que dor é essa
Que não cessa
De doer e padecer
A coisa amada

Dor de sol, de inverno
Dor de inferno
E de noite enluarada

Dor plural
Dor umbilical
Dor transcendental

Dor, dor, dor
Que nos enterra
Que nos aterra
Que nos encerra

Que dor é essa
Que urge
Assim que surge

Que dor é essa
Dor de leão
De animal ferido

Qual é a dor que lido
Será dor de promessa?
Será dor de paixão?

Que dor é essa
Que destrói como bomba
E tomba a coisa amada

Que dor é essa
Que se enfia pela fresta
E desembesta
O seu prazer de doer

Que dor é essa
Que leva a criatura a gemidos
Em lá sustenidos

Que dor é essa que causa delírios
Que dor é essa de tantos martírios
Que dor é essa que entrega lírios
Na hora do adeus

Que dor é essa
Que nos quer ateus
Completamente sem deus

Que dor é essa que explode
E nos sacode
Causando balanços temporais
E atemporais

Que dor é essa que faz cair
Os cabelos
E sobressair os
Apelos
De pára, pára, pára

Pára de doer
Por amor
Por favor

Que dor é essa
Que vira tara
E não se separa
Da coisa amada

Que dor é essa
Pela estrada
Alongada
Querendo tudo e nada

Que dor é essa
Dor que dói fundo
Num sentimento profundo

Que dor é essa então
Que faz de céu e inferno
Um mesmo mundo
De sofreguidão

Que dor é essa
Que faz de verão e inverno
Uma mesma estação

Que dor é essa tão cruel
Que dói do primeiro ao último andar
De um arranha-céu

Que dor é essa
Dor que dói a destoar
O outro lado de meu eu

Que dor é essa
Dor de atos e desacatos
Dor de hipóteses e de fatos
Concretos e doloridos

Que dor é essa
De tons aflitos
De sons contritos

Dor de doer
Dor de querer
Dor de poder

Que dor é essa
Dor que dói às turras
E urra

Dor que ora é sábia
Levando todos na lábia
Ora é burra
Como porta que prende um braço
Achando que terá um abraço

Dor de alucinação
Dor de procissão
Dor de mutirão

Que dor é essa
Dor que dói à beça
Que forja um outro final à peça
Entre o bem e o mal

Dor inter e intrapessoal
Dor pagã
Dor terçã

Dor que dói a noite
Como um pernoite
Que se estende até a manhã

Dor de fisgada
Dor engasgada
Dor de crise renal
Dor além mar de Portugal

Dor que queima
Dor que não se vai
Dor que teima
Dor que não sai

Que dor é essa
Dor que apronta, apronta, apronta
E no final, não paga a conta

Que dor é essa
Dor que briga
E faz figa
Nas tripas coração

Que dor é essa que diz sim
Com a mesma boca
De não que se põe em mim

Que dor é essa
Dor que amarra
Como trabalho cigano

Que dor é essa
Dor que barra
Todo e qualquer plano

Que dor é essa
Dor que se espalha
E não falha

Que dor é essa
Dor que duela
E não me dá trela

Que dor é essa
Dor que não tem breque
E coloca o amor em xeque

Que dor é essa
Dor que oprime
E não redime

Que dor é essa
Que tem o peso de toras
E não me pergunta as horas

Que dor é essa
Dor que não passa com oração
Ou com pedidos de perdão

Que dor é essa
Dor por qual morro
Sem pedir socorro

Que dor é essa
Dor que não fala em justiça
Chegando a ser omissa

Dor de facada
Dor destrambelhada
Dor destravada

Que dor é essa
Dor nada gentil
Dor de fuzil

Dor de acidente
Dor de penitente
Dor doente

Que dor é essa
Dor que fala outra língua
E provoca ínguas

Que dor é essa
Dor de saudade
Que varre a cidade

Que dor é essa
Que não tem fim
E se cria em mim

Será dor de amor
Ou será amor em dor
Que será essa dor???


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