Daniel Campos

Texto do dia

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24/08/2009 - Trovas de trovões

Os trovões que colocam cachorros para debaixo das camas, que goram ovos ainda nos ninhos, que puxam orações desesperadas, que assustam crianças... deram lugar aos trovões de ninar. É como se eu dormisse nas folhas de um pé de feijão ao som do ronco do estômago do gigante. O que poderia ser uma noite assustadora se tornou uma noite redentora. O ar pesado da seca escorreu pelos ralos, pelos bueiros, pelas bocas de lobo. E os lobos se internaram nas cavernas já que as nuvens negras cobriram a lua.

Ao som dos trovões, que pareciam ser entoados da trombeta de algum exército celestial, vírus, bactérias, febres, fomes, pragas, dores de cabeça, fogos, corpo ruim, insônia... tombaram. Até mesmo eu tombei, tombei de sono ao som daqueles rugidos. Era hora de ficar quieto. Era hora de fechar janelas e portas. Era hora de se cobrir. Era hora de abraçar ainda mais a pessoa amada. Era hora de dizer adeus à era da seca, do pó, das queimadas. Naquele momento eu dormia em paz, na certeza de que os incêndios estavam prestes a desaparecerem.

Como se alguma santa arrastasse móveis pesados, arrumando a casa para uma vida nova, aquela barulheira toda trazia uma boa nova. Mais cedo do que o esperado, chegava o tempo das águas. Com um mês de antecedência, eis a primavera. Que brotem as sementes. Que as mudas floresçam. Que o fruto amadureça. Que o mundo se vista novamente de verde. Era isso o que dizia a língua primitiva dos trovões. Uma língua de trovas nascida entre o medo e a esperança de um tempo.


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