Daniel Campos

Texto do dia

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04/03/2009 - Travesseiro de paina

Há quem durma em travesseiros de pena de ganso, travesseiros magnetizados, travesseiros ortopédicos e coisa e tal. Já as minhas noites eu atravesso recostado em um travesseiro de paina. Isso mesmo, o fruto da paineira. Parecem flocos de algodão os frutos dessa árvore de flores rosadas e tronco coberto de espinhos. Trouxe esse exemplar raríssimo de uma de minhas incursões ao interior de São Paulo. Coisa fina e de tempos idos. Meu avô colheu a paina no terreiro do sítio e minha avó tratou de dar forma ao travesseiro.

Pode parecer loucura, mas meus sonos melhoraram depois que passei a usá-lo. Há um feitiço verde nele que, coincidentemente ou não, fez meus sonhos serem ambientados na paisagem rural. Deitado sobre seu ventre de paina, eu ouço pássaros recém-amanhecidos, águas correntes e o balanço de um gado que margeia uma estrada sem fim. O galo da campina, o trenzinho caipira e o bater da enxada contra o mato também compõe a sinfonia macia desse travesseiro.

Diante dessa prosa, você pode imaginar a aflição de eu ter acordado com pedaços de pluma planando sobre o ar. Não foi à toa que tive pesadelos com estouro de boiada, tromba d?água e desmoronamento de encosta: o travesseiro havia descosturado... Salvem, salvem meu sono, meus sonhos, meu campo. Uma linha e uma agulha urgente, por favor. Eu preciso prender os sons, os cheiros, os sabores da roça que estão querendo escapar. Eu preciso salvar o que ainda resta de terra neste mundo de concreto. Eu preciso dormir em paz.


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