Daniel Campos

Texto do dia

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29/08/2009 - Sábado afônico

Hoje é sábado e eu não quero dizer nada senão o silêncio. Portanto, que hoje digam os pássaros pelo mundo afora. Da minha boca não sairá palavra nova alguma. E aquelas que mesmo depois de lançadas ainda ecoam em minha língua, farei o favor de engolir. Nada de fraseados, gritos, sussurros, gemidos, brados, cânticos, declarações, declamações, recitações... Hoje eu quero ficar mudo, completamente nu de som. Que apenas corra em mim o ruído da minha corrente sanguínea, o barulho das contrações pulmonares e as batidas do meu coração.

Hoje é sábado e eu quero ser apenas a manifestação sonora involuntária do meu corpo. Não peço para o meu sangue correr, para os meus pulmões se encherem de ar, tampouco para o meu coração pulsar, bater, vibrar, seja lá o que for. De minha autoria, hoje, véspera de domingo, não será produzido som algum. Velar-me-ei num silêncio sacro. Calar-me-ei num pensamento profano. Podem me pedir ou exigir o contrário, mas hoje eu serei apenas um cinema mudo ambulante, andando pelas ruas da existência em gestos e olhares.

Nem mesmo poemas ou orações tomarão forma a partir da minha voz. Hoje eu comungarei do silêncio absoluto existente nas cavernas celestiais. Que a trilha sonora deste sábado fique por conta do cair da chuva, do estalar do sol, do buzinar dos carros apressados, dos cantores do rádio, das atrizes da televisão, do roer dos ratos, das anunciações dos anjos, da birra das crianças, das portas e janelas que se abrem e fecham contra a própria vontade, assim como minhas artérias e veias, meus pulmões e este músculo romanceado chamado coração.


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