Daniel Campos

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27/12/2009 - Robertianismo

Blog do Noblat

O título pode parecer estranho, mas faz alusão ao fenômeno que influencia diretamente o Brasil na época de Natal. Pode criticar, fazer cara feia e até mesmo interromper a leitura, mas há 50 anos Roberto Carlos forja a identidade brasileira.

Quantas pessoas de diferentes credos, sexos, cores, origens e classes se unem em torno dele? Quantas gerações convivem com sua voz desde os primeiros anos de vida? Quantos têm um acontecimento, um fato ou um sentimento ligado a uma canção sua?

Nessa época de final de ano, Roberto, como uma espécie de El Niño, aproveita para reinar com força total. O tradicional especial natalino e um panetone com direito a embalagem azul somam-se a CDs, DVDs, filmes e um perfume. Arte e merchandising, romantismo e mercantilismo, eis o cerne da formação brasileira.

Os números não negam esse fenômeno. Na noite de Natal de 2008, 40,6% dos televisores ligados sintonizavam o especial do Rei. Neste ano, o programa arrematou duas cotas de patrocínio de mais de um milhão de reais cada. Com mais de 120 milhões de álbuns vendidos, o Robertianismo é real.

Ouso dizer que com as mortes de Tiradentes, Tancredo e Betinho, Roberto Carlos é o último herói tupiniquim. Um herói que tem como maior trunfo ser, agir e falar à moda da casa, versando sobre caminhoneiros, taxistas, carrões, baixinhas, gordinhas, Nossa Senhora, flores do jardim, parar na contramão, baleias, Amazônia, (...) e amores mil.

Roberto é o sonho popular de embarcar em um transatlântico; é a mistura de paletó com regata; é a biografia não autorizada; é a busca pela fonte da juventude; é a vontade de ter um milhão de amigos; é um leque de supertições e manias; é um estádio de futebol lotado; é a voz embargada; é a superação; é a fé e o amor sem limites...

Um historiador (pai de um compositor famoso que já cantou com Roberto) nos alertou sobre a cordialidade do povo brasileiro. E ao contrário de uma apologia à gentileza, ser cordial é, basicamente, ser movido pela emoção. Cordial vem de cordis (coração em latim). E é essa natureza que impulsiona o Rei para além de governos e tendências.

Os shows e as canções que falam de amor, solidariedade e confiança no amanhã podem parecer o mesmo do mesmo do mesmo. No entanto, você nunca viu ferver água? "Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água".

O trecho da fala do personagem machadiano Quincas Borba sobre a filosofia do Humanitismo explica o Robertianismo. Roberto Carlos, assim como o Brasil, revoluciona para que tudo continue como está.

Observação do autor: artigo originalmente publicado no Blog do Noblat (O Globo online) em 27/12/09. Segue endereço: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/12/27/robertianismo-252075.asp


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