Daniel Campos

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24/01/2010 - Rio 2016 Uma oportunidade de recontar o Brasil

Blog do Noblat

Como bruxo ou sacerdote eu quero chamar sua atenção para os ritos que irão atrair olhares de todos os continentes ao Maracanã, ao Rio, ao Brasil, em 2016.

Para além de medalhas, estádios, competições e violência eu quero que você fique de olho na cerimônia de abertura dos jogos olímpicos.

Afinal, é nessa apresentação que se costuma contar a história do povo e do país que recebem os jogos, citando passagens e feitos importantes.

Em Pequim (2008) os chineses fizeram uma cerimônia para consolidar a China como superpotência, falando sobre seus mais de cinco mil anos que se misturam ao surgimento do papel e da pólvora.

Qual Brasil vai ser contado para mais de quatro milhões de telespectadores? Já pensou se seguirem as cartilhas escolares e disserem que nascemos quando Cabral chegou por aqui acidentalmente, dizendo “i love you” em tupi-guarani sob o som de aplausos.

Chamo atenção aos ritos porque eles poderão contar ou não a nossa verdadeira história para quem nos vê como terra selvagem e subdesenvolvida, habitada por mulheres nuas, carnavalescos e boleiros.

É preciso dizer, em cores tropicais, que nossa pátria nasceu do genocídio e da exploração. Que fomos “terceiro mundo” em prol do desenvolvimento alheio. Que somos anos e anos de esperança e luta.

Que gestos, palavras e emoções deixem claro que os índios foram dizimados junto com suas lendas e tradições, sendo deixados de lado como tudo mais que diz respeito à fase pré-colonização.

Vale à pena contar que a Baia de Guanabara recebeu inúmeros navios negreiros e que quem primeiro invadiu os morros cariocas não foi um miserável, um traficante ou um nordestino, mas uma leva de franceses (1555).

Que a cerimônia consiga dizer que a falta de seriedade em nossa política é resultado da chegada da família real portuguesa ao Brasil (1808). D. João VI é, portanto, o pai de tantos escândalos, submissões, fugas e pizzas.

Diante de tais elementos, em quem você aposta para escrever o enredo desse samba? No novelista Manoel Carlos? No cineasta Walter Salles? Nos marqueteiros Duda Mendonça e Nizan Guanaes? Não, não...

Quem produziu o material da candidatura carioca e também cuidou da abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2007 e da queima de fogos do réveillon 2010 de Copacabana foi o ex-diretor de espetáculos da Disney Scott Givens.

Pelo visto a nossa história será contada sob a óptica de Mickey Mouse? Corre-se o risco de tal cerimônia ser transformada em um carnaval fora de época. É tudo o que gringos, relações internacionais e candidatos às eleições de 2016 querem.

O que representará a abertura das Olimpíadas de 2016: um grito de emancipação ou um atestado de colonização?

Observação do autor: artigo originalmente publicado em 24/01/2010 no Blog do Noblat (O Globo). Link: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/01/24/rio-2016-uma-oportunidade-de-recontar-brasil-259622.asp


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