30/08/2009 - Recrie-se
Salve o domingo porque hoje é o dia em que, com raríssimas exceções, o despertador não grita. Há algo pior do que um relógio, um rádio-relógio, um celular ou alguma outra máquina lhe acordar com um barulho estridente ao pé do ouvido? Como ter um bom-dia após ter suas células invadidas por essa barulheira toda. E se não bastasse um, há dias em que há vários despertadores berrando ao mesmo instante ou em frações pequeninas de tempo.
Definitivamente, saudade da época em que os galos não eram mecânicos ou digitais. Tempos em que se acordava com o sol, com o cantar dos pássaros, com o cheiro do café, com o beijo adormecido da mulher amada. Além desses dispositivos eletrônicos há um enxame de carros alvoroçando a rua. Isso sem falar das conversas que caminham inconvenientes pelas ruas ou pelas casas vizinhas. De segunda a sábado, acordar é um castigo.
No entanto, hoje é domingo. Que os despertadores calem a boca. Eu quero dormir até mais tarde e, só quero despertar, nos braços de um sono, ou melhor, de um sonho bom. Que as paredes não tenham ouvidos. Que a chaleira não apite no fogo. Que o café espere um pouco. Que os jornais não contem nada. Que os anjos entretenham as crianças. Que a chuva dispense trovões. Que as rosas, como nos tempos do poeta, não falem.
Afinal, hoje é domingo. E domingo é o revés do som. Domingo é um dia de contemplação, um dia dedicado ao silêncio. Por isso, se for para acontecer alguma revolução que aconteça amanhã, segunda-feira. Se for para desmanchar um romance, adie essa discussão para o meio da semana. Se for para morrer, pelo amor de Deus, deixe o choro para outro dia que não seja domingo. Dançar e cantar são coisas para sábado.
No domingo até o amor acontece de forma mais silenciosa. Os abraços apertados e prolongados pela falta de compromisso sufocam as palavras. As bocas dizem pouco e beijam muito. Domingo é dia de amar com olhos fechados, com a certeza de que a criatura amada está perto, muito perto. No domingo, sussurre todo e qualquer sentimento. Nada de gritos ou declarações gritantes. Mesmo alardes românticos não combinam com o dia de hoje.
Pode observar que até os pássaros, enfurnados nos ninhos, cantam mais baixo no dia de domingo. As pedras não rolam e as águas correm mais devagar nos rios em respeito à domingueira. É como em dias como o de hoje o mundo fosse tomado por um sentimento que influenciasse diretamente suas cordas vocais e uma voz inconsciente dissesse baixinho: emudeça, pois hoje não há motivo algum para se desesperar.
Eu concordo que a segunda-feira já está alvoroçada, urrando em um canto qualquer. Mas segunda-feira é só amanhã. Também há os ecos do sábado tentando sobreviver. Mas sábado foi ontem. Hoje é domingo. De fato, hoje é domingo, o primeiro dia da criação. E todos os artistas atestam que para se criar, e principalmente para dar início ao processo criativo, é preciso uma dose extra de silêncio.
Portanto, aproveite o silêncio de domingo e crie um outro tempo de viver e, se puder, recrie-se.
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