Daniel Campos

Texto do dia

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17/03/2009 - Quaresmeiras

Agora eu não tenho qualquer sacada. Tenho uma sacada com uma quaresmeira. Está certo que é só um vaso com uma mudinha, mas um dia ele vai ter uma copa frondosa de flores que ora são roxas, ora são lilases. Mas desde já essa quase-árvore me leva a um tempo de reflexão sobre o sofrimento. Embora lindas, as quaresmeiras são tristes por natureza. Não é por acaso que suas folhas forram o chão das procissões de semana santa.

Na minha rua não tem quaresmeiras. Na minha quadra não tem quaresmeiras. No meu bairro não tem quaresmeiras. Na minha cidade não tem quaresmeiras. Só na minha varanda há um exemplar da árvore da penitência. Ah! Se eu morrer, que morra sob uma quaresmeira, com as costas recostadas em seu tronco imperfeito e suas folhas ásperas. Que o tom fúnebre e feminino de suas flores repousem sobre meu corpo, ofertando minha carne à mãe terra. E que minha morte dure quarenta dias.

Quaresmeiras de quarenta dias de provações, de dilúvios, de peregrinação do povo judeu pelo deserto. Quaresmeira dos quarenta dias de Moisés e Elias na montanha e de Jesus no deserto... De quantas quaresmeiras é preciso para fazer uma quaresma? Uma, quarenta, quatrocentas? Eu não conheço o resultado dessa matemática, só sei que tenho uma dessas árvores da mudança na minha sacada e outras tantas brotando, crescendo, amadurecendo em mim.


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