Daniel Campos

Texto do dia

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27/04/2011 - Pronunciamento de Eduardo Suplicy sobre a renda básica e a cadéia láctea

TV Senado

E, Senador João Pedro, se V. Exª me permite ainda, eu recebi hoje uma sugestão tão interessante que a transformei em pronunciamento, sobre quais seriam os efeitos da renda básica de cidadania na cadeia láctea.

Eu gostaria – se me permite V. Exª – de ler esse texto para que V. Exª possa inclusive comentá-lo.

E gostaria aqui de agradecer a contribuição de Daniel Campos, um amigo que é poeta, escritor e jornalista, que colaborou comigo nesse texto, que diz o seguinte:

A renda básica de cidadania na cadeia láctea
A rotina de beber leite “ordenhado” de uma dessas caixinhas longa vida, no café da manhã ou em qualquer outra hora do dia, em casa ou em padarias, se tornou tão natural que não nos permite parar para pensar quantos trabalhadores estão envolvidos na cadeia láctea, tampouco que o setor emprega mais do que a construção civil. No entanto, essa bebida ganha até mais sabor quando se toma conhecimento que a produção de leite brasileira gera mais de quatro milhões de empregos diretos.

Por detrás de um simples copo de leite, existem trabalhadores que cortam capim, que enchem o chocho, que manejam os animais, que fazem a higiene e a ordenha das vacas, que coam o leite, que lavam e guardam os utensílios utilizados, que transportam, armazenam e resfriam o leite, que limpam a estrebaria, que cuidam da cerca e das pastagens, que aplicam remédios e vacinas, que fazem silagem, que compram equipamentos que dão assistência ao parto, que compram e vendem animais.

Depois do emprego público, a pecuária de leite, logo à frente da construção, é o segmento que mais emprega em nosso país. Está em primeiro lugar no ranking de empregabilidade do setor privado brasileiro segundo levantamento feito pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite, a Leite Brasil.

São 1,4 milhões de propriedades leiteiras espalhadas pelo país. Segundo estudos do setor, três pessoas, em média, ajudam na produção de cada propriedade. Além daqueles que lidam diretamente com a ordenha e com o trato dos animais, devemos incluir nesse cálculo os trabalhadores das áreas de transporte, processamento, ração, remédio, vendas. E a conta não para por aí uma vez que produção de leite está ligada à agricultura, isto é, às cadeias produtivas que alimentam o rebanho, como milho, soja, trigo e mandioca.

Os 90% de pequenos e médios produtores existentes no Brasil respondem por 30% da produção total, que atualmente é de 31 bilhões de litros por ano. Hoje, o nosso país é o sexto maior produtor mundial de leite. E tem potencial para crescer ainda mais. Analisando o número de pequenos produtores de leite existentes no Brasil, é inegável que a implementação da renda básica de cidadania pode ajudar no crescimento desse setor.

Ao contrário do que acontece na Europa, por exemplo, aqui não há qualquer ajuda de custo por parte do governo que ajude os produtores a superarem fatores que prejudicam a produção de leite. Tanto a falta de chuva como a chuva em excesso atrapalham o desenvolvimento das pastagens. O incremento de ração e silagem na dieta diária dos animais encarece a produção, inviabilizando por completo o orçamento de algumas propriedades.

A produção de leite depende muito do trabalho familiar não remunerado. De domingo a domingo, integrantes da família ordenham as vacas, alimentam-nas, fazem limpezas, tratamentos e cuidam dos campos.

E, em muitas ocasiões, ao final do balanço, entre os rendimentos e despesas, não sobra uma renda digna para o homem, para a mulher, para os filhos.

A renda básica de cidadania permitiria, por um lado, que os pequenos produtores tivessem maiores condições de enfrentar as adversidades do campo, sustentando, mesmo em tempos difíceis, a produção de leite e derivados, como os queijos, produzidos muitas vezes pelas mulheres.

Por outro lado, os consumidores teriam mais dinheiro para comprar leite e derivados lácteos, combater as mazelas da fome ao mesmo tempo em que movimentariam a roda da economia rumo a um desenvolvimento sustentável e a incontáveis ganhos sociais.

Os lucros da implantação desse programa em todo o Brasil, inclusive no campo, não seriam somente de ordem econômica. Com uma renda garantida todo mês, os pequenos trabalhadores e produtores do universo rural poderiam investir na educação dos filhos e na própria capacitação.

Pense nos benefícios que as crianças, que muitas vezes precisam deixar os estudos de lado para ajudar na ordenha, teriam com a institucionalização de uma renda que contemplasse todos os brasileiros sem distinção de faixa etária, sexo, classe social, origem, cor e credo.
A cadeia láctea é só um exemplo da abrangência da Lei 10.835 de 2004 e das suas vantagens para todos os brasileiros.

A renda básica permitiria, entre outras conquistas, que o trabalhador prosperasse no campo sem precisar migrar para a cidade grande em busca de oportunidades de emprego ou melhores condições de vida. Não podemos nos esquecer de que o êxodo rural contribuiu e muito para as desigualdades sociais e para o desencadeamento de uma série de problemas urbanos relacionados à moradia, saúde e segurança.

Por ser um instrumento de igualdade, a renda básica de cidadania pode retomar a integração entre o agrário e o urbano, como acontecia na polis grega e na civilis romana, no intuito de buscar novas formas de equilíbrio.

Tanto no mundo antigo quanto no moderno, todas as sociedades que se preocuparam com a ampliação da cidadania dedicaram-se à questão do acesso à terra. Devemos encarar a renda básica de cidadania como uma reforma agrária, capaz de partilhar as riquezas produzidas pelo país e de promover ideais tão históricos quão necessários como liberdade e fraternidade.

Observação do autor: Parte do discurso do senador Eduardo Suplicy feito na tribuna do Senado no dia 27 de abril de 2011, sobre a renda básica de cidadania e a cadeia láctea.


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