07/05/2009 - Octogésimo andar
Eu quero morar no octogésimo nono andar daquele edifício alto. E quando sair na sacada, eu não quero enxergar a rua, mas o que se esconde nas crateras da lua. Chega de ouvir buzinas, ronco de caminhões, gritos de crianças, latidos de cachorros e vendedores de abacaxi. Quero, da minha sacada octogésima, ouvir apenas a língua universal dos anjos, que se dependuram em nuvens próximas, ou dos extraterrestres que flutuam em naves tão ovais quão a minha janela. Nem pássaros, nem paparazzis, nem moscas conseguirão chegar perto quando eu estiver a quase noventa andares do chão.
Quando entrar e me trancar em meu apartamento octogésimo, estarei livre de todo barulho. Quero ouvir o silêncio. Quero conhecer o silêncio. Quero ter com o silêncio de dois corpos, em completa suspensão de sons e gravidade. Ah! Esqueci de dizer, mas a centenas de metros do chão a força que nos puxa ao encontro da Terra é bem menor, quase nula. Eu quero voar, volitar, planar num beijo a dois, nas asas do depois. Mas para isso, tenho de estar longe de todo esse barulho concreto e indiscreto que se ergueu como uma cidade paralela.
Dependendo do que o silêncio me dizer, escalarei pelos cabelos de deus para conseguir chegar ainda mais perto do céu ou, simplesmente, abrirei a janela sem grades de proteção e me lançarei ao diabo, numa queda nem tão livre assim. Mas antes de qualquer futuro, preciso expurgar qualquer ruído e ficar a sós, coberto apenas pelos lençóis do corpo da criatura amada. E quando o silêncio se fizer por inteiro, sem interferências dos mundos exterior e interior, saberei o que o amor sempre quis dizer e nunca conseguiu.
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