23/08/2009 - O tempo e suas cordas de aço
Depois de mais de dez anos, minhas mãos escritoras tornaram a sangrar o aço das cordas de um violão. Ao primeiro toque, ainda sob efeito do cheiro do pinho, sou palco de um enxame de emoções que, por muito tempo, adormeceram entre o mel e o fel de uma colméia. E o choro do reencontro ao contrário de cair dos olhos, caiu no sistema circulatório, percorrendo cada sílaba do meu corpo. Reencontrei-me com o menino que sonhava ser violinista e com o meu avô Antônio, talvez o primeiro e único fã deste sonho.
Foi meu avô quem rapidamente providenciou violão, professor, audições, aplausos e músicas. Sim. Por respeito e admiração, o meu primeiro repertório foi inteiramente formado por músicas caipiras. E olha que não falo nem de sertanejo raiz, mas de moda de viola mesmo. Viola no violão. Mula preta. Chico Mineiro. Cabocla Tereza. Letras e melodias de um tempo que guiava meu avô, ainda moço, para bailes na roça. Lembro com perfeição dos seus olhos serenos e pulsantes, acompanhando cada acorde do violão, cada verso saído de minha boca.
Seguindo os caminhos e descaminhos da vida, deixei a música caipira e o violão de lado. O avô morreu antes de ver seu neto violinista. E com a morte de meu único fã, eu decidi enterrar de vez meu violão. Ficou guardado dentro de sua capa, escondido nos fundos do guarda-roupa. E como dizia uma letra da antiga, por ali passou boi, passou boiada. Dez anos depois, ao riscar novamente aquele violão, de certa forma, acordei Tonico e Tinoco, Teddy Vieira, Zé Mulato, Lourival dos Santos... e seu Antônio Bueno de Campos, com suas histórias e olhos brilhosos.
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