Daniel Campos

Texto do dia

Imprimir Enviar para amigo
09/05/2009 - O sertão virou mar

E o sertão virou mar, fazendo com que quem não tinha nada perdesse tudo. Os cactos ficaram submersos, as cabras se afogaram, as casas de pau-a-pique se desmancharam, o vaqueiro desapareceu... O que era poeira virou aguaceira, o que era caatinga virou pinga na boca do sertanejo que foi bebendo a tragédia de sua gente. O nordeste do agreste, que era cheio de cabra da peste, ficou sem norte, sem leste, barco à deriva de um povo acostumado ao pó.

Civilização das calamidades, das enfermidades, das extremidades. Ora é sol demais, ora é chuva demais. E em todas as horas é pobreza demais. Quem se acostumou a ter tão pouco, quase nada, perdeu tudo. Como a lavoura que morria ao sol, plantações de homens e mulheres morrem à chuva. E o sertão virou mar, só que um mar de água naturalmente doce e, pouco a pouco, salgada pelas lágrimas dos filhos da terra. Será, será que Deus erra?

E onde estão os filhos de Noé que não construíram suas arcas para salvar o pouco dessa gente muita? É tanta miséria sendo levada pelas águas; é tanta tristeza sendo carregada pelas águas; é tanta dor sendo abraçada pelas águas; é tanta incerteza sendo ofertada pelas águas; é tanta labuta sendo tragada pelas águas. Águas de abril, águas de maio, águas de enchente, de um tempo que vem em aboios de trovões e inundações.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar