Daniel Campos

Texto do dia

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06/05/2009 - O fim dos abacates

Até algum tempo atrás eu tinha toneladas e toneladas de abacate ao meu alcance. Era uma avalanche de frutos, de vários tamanhos e formatos, vindos de mais de mil e duzentas árvores, que chegavam a dez metros de altura num balé de copas e galhos entrelaçados. Durante anos percorri esse pomar saboreando os frutos verdes na ponta do meu canivete. No entanto, meu mundo mudou de curso e os abacateiros ficaram distantes. Hoje, os abacates surgem-me nanicos, manchados, doentes, em bancas de supermercados, sem gosto ou beleza.

Resultado: eu deixei de comer abacates. Minha boca, que os encontrava batidos com leite ou amassados com açúcar e limão galego, saliva a saudade do tempo em que beijava até mesmo a lua orvalhada, exposta naqueles frutos que custavam a amanhecer. Para quem já plantou e colheu abacates in natura, comer abacate de supermercado não tem graça alguma. Alguns ainda têm a coragem de colocar o selo "orgânico" sobre a embalagem que sufoca um fruto mirrado, apático, desgotoso de si, na tentativa de iludir.

Pior do que ser enganado e do que o sabor dos frutos da cidade grande é saber que o tempo em que abacateiros e abacates tendiam ao infinito nas equações de minhas mãos, olhos e bocas não voltará nunca mais. Posso comprar uma fazenda, encher de abacates e andar por lá que não será a mesma coisa. Infelizmente, o tempo tem o sádico prazer de nos amadurecer em feitio de frutos, fazendo com que gestos, como a inocência de se pensar que os abacates eram eternos, apodreçam para germinar tempos ou corações depois.


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