Daniel Campos

Texto do dia

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15/03/2009 - Ninho de súplicas

Uma mulher se ajoelha diante da imagem de uma outra mulher a qual ela chama de santa e de mãe.

- Ò mãe, por que tem que ser assim? Por que eu não posso viver de maneira inteira? Por que tem que ser tudo às migalhas, às metades? Eu não mereço ser feliz? O que foi que eu fiz para não merecer a felicidade? Eu rezo, vou à missa, comungo, confesso, mas os meus sonhos estão cada dia mais longe de mim. Tem tanta gente por aí que não acredita em nada e tem a vida muito melhor que a minha. Será que eu fiz alguma coisa tão horrível assim na vida passada? Ah! Já estou ficando cansada. Cansada de tantas guerras que estouram dentro e fora de mim. Queria tanto ter um pouco de paz. Mas eu vivo em meio a um bombardeio. E por mais que eu me esforce em ser uma pessoa melhor a cada dia só me sobram críticas e mais críticas. Será que sou descendente de Maria Madalena? O que será que eu fiz para receber tantas pedradas?

A mulher abaixa a cabeça, soluça e chora.

- Ó santa das santas, não me abandone. Perdoe a minha angústia, a minha aflição, o meu desespero. Perdão se eu blasfemo ou se eu a ofendo. Mas é que não vem sendo fácil agüentar todo o peso que caiu sobre as minhas costas. Eu sei que o tempo dos céus não é o mesmo tempo dos humanos... Eu sei que eu tenho pressa... Eu sei que tem horas em que eu fraquejo em minha fé... Mas eu sou feita de carne... Eu tenho meus medos, minhas inseguranças, minhas faltas... Não chego aos seus pés minha mãe, não sou digna de estar ao seu lado, mas, por favor, me coloca em seu colo... Dê-me a mão e siga comigo por essa estrada torta e escura chamada vida. Eu queria tanto que as coisas fossem diferentes. Eu queria tanto que eu não precisasse estar aqui aos prantos. Eu queria tanto que só ajoelhasse aqui para lhe agradecer tudo de bom que tem me feito. Eu queria tanto, mas tanto, no entanto...

A mulher se levanta e se abraça à imagem.

- Nossa Senhora, mãe e santa, qual é o meu pecado? O que fiz de tão grave para passar tantas agruras? Será que trai vossa confiança? Será que fiz mal aos meus semelhantes? Será que é por que amo demais? Eu sou assim e não vou mudar: amo com toda intensidade. E isso me faz sofrer muito. Se pudesse eu tinha as pessoas que amo só para mim. Não gosto dessa coisa de dividir. Quero amar até a última gota com toda a sede possível e impossível de existir. Agora, tenho que dividir o homem que amo com mãe, filhos, ex-mulheres... Não agüento mais isso. Sempre tem alguém a cruzar os nossos caminhos. Belo casamento esse meu... Tenho saudade da minha vida de solteira, dos namoros... Depois que se casa tudo é uma perfeita divisão. A vida nunca mais surge inteira diante de si... Em certos instantes, que tenho vontade de matá-lo e abrir seu peito e comer suas vísceras como que para cumprir o prometido dele ser só meu, somente meu. Mas em outros, dou conta de que não posso cometer barbaridade alguma. Eu tenho fé em ti minha mãe e sei que não vai deixar esse espírito bárbaro cair sobre meus dias. Eu sei que tenho que me doar, mas é necessário que ainda reste um pouco de mim em mim.

A mulher continua o diálogo aos gritos, baixando a voz e o corpo até cair em silêncio no chão...

- Santa mãe Maria, mãe das mães, santa das santas, não me desampare... Eu quero o amor maior, eu quero o amor dos céus, eu quero viver esse amor que não me cabe, eu quero o amor sem dor, o amor sem desespero, o amor sem aflição, eu quero o amor doce e sem contra-indicação, eu quero o amor que se compreenda, eu quero o amor que não peça nada em troca, eu quero o amor dos amores, eu quero o amor que aceita ver o próprio filho pregado na cruz, eu quero o amor que não tem medo, eu quero o amor que resiste aos séculos, eu quero o amor que atravessa desertos, eu quero o amor que é maior do que os egoísmos e partilhas, eu quero o amor que não cessa, eu quero o amor que acredita mesmo quando desacreditado...

A mulher, como que querendo se encaixar em uma espécie de colo, se aquieta e chora baixinho em feitio de um ninho de súplicas...


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