05/09/2009 - Livro de feitiços
Senti-me como aquelas bruxas de filmes antigos. Aquelas que mais encantavam do que amedrontavam. Quantas bruxarias ao longo daquelas páginas tão altas quão largas. Um livro imponente e pesado, que trazia em sua capa dura uma aplicação de tinta a óleo. Uma espécie que não se encontra em qualquer prateleira. Veio de longe. Receitas capazes de deixar um exército estático, com a boca cheia d`água. Aqueles ingredientes tinham o poder de fazer e refazer casamentos. Por mais que estivesse guardado por muito tempo, tinha um perfume vivo. Coisas de dona Adélia.
Dona Adélia? Sim, é esse o nome da feiticeira em questão. A primeira vista, o nome parece inofensivo, lembra uma flor aportuguesada de pétalas caudalosas (a dália), no entanto, enfeitiçava. Folheando as páginas, minhas mãos encontram suas mãos brancas e pintadas. E por meio desse encontro a magia é transferida. Quantas vezes eu a vi mexendo um caldeirão, dando ponto no que mais tarde calaria tantas bocas. Parece que agora, a partir daquele livro repleto de caminhos e segredos, seria eu quem invocaria os deuses caipiras.
Isso porque os feitiços de dona Adélia contidos naquele livro eram da roça. Falavam de galinha caipira, de fubá peneirado ao sol, de ovos vermelhos, de nata de leite gordo, de água de mina. Bons pra chamar visita (como o bom-bocado de coco); ideais para quebrar febre (como o sorvete de ameixa); e excelentes para amarrar a pessoa amada (como o frango assado com laranja e especiarias), as receitas daquela dona de casa que invocou - como poucas - o fogo, seja no fogão à lenha ou a gás, trazem de volta um tempo que não volta.
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