06/09/2009 - Lembra-se das flores de antigamente
Lembra-se daquelas flores que enfeitavam o jardim de branco e lilás, simbolizando o bom-dia e o boa-noite, pois bem, desapareceram. Lembra-se daquelas flores vermelhas que se alastravam em moitas verdes com sementes guardadas em cápsulas verdes que estouravam em nossas mãos, pois bem, partiram. Lembra-se daqueles copos de leite que tomavam de conta dos brejos e baixadas, pois bem, ninguém nunca mais os viu. Lembra-se das pequeninas e pontuais onze horas que abriam suas pétalas quando o relógio batia onze vezes, pois bem, sumiram. Lembra-se das flores do campo, pois bem, foram devoradas pela cidade.
Lembra-se daquelas flores alaranjadas que se dependuravam nos barrancos e nas cercas em época de São João, pois bem, acabaram. Lembra-se dos hibiscos que chamavam dezenas de beija-flores bem pertinho de nossas janelas, pois bem, foram extintas. Lembra-se das margaridas brancas de miolos amarelos que davam um tom singelo aos canteiros de antigamente, pois bem, foram dizimadas. Lembra-se dos girassóis de tantos sóis, pois bem, perderam a cabeça depois de se apaixonarem pela lua. Lembra-se das bailarinas, que eram tão minúsculas e amareladas quão próximas das orquídeas, pois bem, deixaram de bailar.
Lembra-se dos antúrios vermelhos que enfeitam os altares em dias santos, pois bem, foram transformados em plástico. Lembra-se das flores de maracujá que iam do roxo ao branco em poucos dias, pois bem, azedaram. Lembra-se das roseiras magricelas que se dobravam as pencas, pois bem, desfolharam-se. Lembra-se dos camarões, dos bicos de papagaio, dos dentes de leão, pois bem, mudaram de estação. Lembra-se das azaléias mescladas, pois bem, restringiram-se apenas a uma marca de sandálias. Lembra-se dos cravos perfumados, pois bem, foram embora de vez depois de brigar com as rosas.
E tudo começou quando a sempre-viva que foi plantada na rua das camélias morreu e, desde então, foi para sempre-morta.
Dizem que sempre-morta foi a besta do apocalipse do reino vegetal. Acabou com tudo. Hoje as flores são de aquarela, são de película, são de bronze, de gelo, de papel, de parafina, de aço, de material sintético. Os artistas se esforçam e enchem os nossos olhos de arte floral. Porém, nem em arranjos artificiais nem em quadros famosos nem em fotografias de álbum de família as flores conseguem atrair as espevitadas joaninhas que lhe concebiam vida. Joaninhas?
Lembra-se das joaninhas vermelhas com pintinhas pretas que se misturavam às flores de antigamente, pois bem, voaram para outros mundos. Quiçá, hoje, bem mais fecundos.
Comentários
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