31/03/2009 - Leite Derramado
Chegou às bancas Leite Derramado, o novo livro de Chico Buarque. Eu ainda não li, mas afirmo, desde já, que prefiro o Chico letrista, de versos engajados e líricos, ao escritor, mais carrancudo e, sobretudo, quieto. Escrever letras e livros pode parecer a mesma coisa, mas não o é. Afinal não há nada mais solitário do que escrever um romance. Você e os personagens num mundo paralelo. A letra de música é algo que o violão ou o piano tornam parte de seu corpo. Eu já fiz as duas coisas e, prefiro os romances. Aposentei o violão e com ele, a minha breve carreira de compositor. Mas Chico não pode suspender a viola...
Talvez se eu tivesse conhecido primeiramente o Chico escritor, não haveria qualquer rebeldia dentro de mim. No entanto, fui apresentado, ainda adolescente, ao poeta Buarque, autor de sambas memoráveis, como "A banda", "Olé, Olá" e "Construção". Por isso, sempre busco em seus livros o Francisco Buarque de Holanda músico. E eis então que me frustro. O letrista não conseguiu trazer para a literatura a linguagem, a ousadia, o tempero que sempre colocou tão bem nas canções. Com a propriedade de quem já leu todos os seus livros e escutou praticamente todas as suas músicas, digo que o Chico músico e o Chico escritor são duas coisas completamente distintas.
O Chico dos romances parece mais amargo, menos esperançoso, mais pesado do que o dos sambas. Seus personagens centrais são homens solitários, angustiados, perdidos em seus próprios dilemas. O último, não foge à regra. Um homem, de cem anos, revira-se na cama de um hospital sofrendo as dores de suas memórias. Só espero que na vida real, as memórias de Buarque também não tenham se tornado maiores do que qualquer vôo futuro. Em outras palavras, que o músico não tenha esgotado seu repertório. Se isso tiver ocorrido, aí sim o leite terá sido derramado.
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