Daniel Campos

Texto do dia

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09/07/2009 - Joaquim e sua colcha de histórias

Seu nome é Joaquim. Ou melhor, ele diz se chamar Joaquim. Sei muito e, ao mesmo tempo, não sei nada sobre ele. Aliás, não sei nem se ele existe de verdade. Uma hora diz que é do sertão; em outra, do morro; em outra ainda, do mar. Às vezes, tem cinqüenta e tantos anos, em outras vinte ou oitenta. Já disse ter três, cinco, nove ou nenhum filho. Já me disse que foi criado nos tiroteios da favela e também na calmaria da roça. Dia par me conta que era policial, dia ímpar, bandido. Em dia claro, vem cheio de gírias. Em dia encoberto, esconde-se atrás de um balcão como o dono de bar que diz ser.

O que eu sei é que hoje ele é guardador de carro. Isto é, fica vagando pelos estacionamentos públicos em troca de algumas moedas. No entanto, pode ser apenas um mocinho ou um vilão infiltrado no dia-a-dia da cidade. Semana passada, levantou a camisa e me mostrou uma facada que levou na adolescência. Uma marca imaginária, aberta em sua lembrança. Ele é daqueles que ao contrário de vir para o trabalho na segunda-feira, passeia com dois vira-latas pelas ruas suburbanas ou remexe as balas de revolver que diz encher uma caixa de sapato.

Com a boca cheia de orgulho e arrependimento, diz ser conhecedor de muitas bebidas, muitas drogas, muitas violências. É crítico ferrenho de todos os governos, sejam eles federais ou municipais. Tem pinta de malandro e olhos de bêbado. Diz jogar capoeira, mas seus passos são tímidos como o homem que habita por debaixo daquela casca grossa. Na verdade, seu Joaquim perdeu sua identidade gradativamente pelas ruas. Hoje ele é um colcha de retalhos de histórias alheias. Histórias as quais se apropriou indevidamente para fins de sobreviver em meio a uma vida sem fantasia.


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