Daniel Campos

Texto do dia

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16/07/2009 - Guincha, porco, guincha

Não há nada mais triste e desesperador do que o guinchar de um porco no momento de sua morte. Nem mesmo uma tragédia de Shakespeare ou um ária de Mozart supera a dramaticidade de um guinchar terminal. Tenho para mim que o guinchado deste mamífero é o grito da própria morte, que se apodera daquele corpo sujo e festeja mais uma alma porca para seu rebanho de bestas. O guinchar é um som que fere por si só, despertando os mais diversos sentimentos em quem está por perto (ódio, repulsa, pena, revolta, prazer, indignação, compaixão). É impossível não ficar mexido diante de um guinchado desses.

Porco é bicho mal visto por muitas religiões. Muitos dizem que seu guinchado traz má sorte. Há quem acredite que comer carne de porco seja pecado mortal. Chega a ser considerado carne podre para aqueles que querem se recuperar de feridas ou de outras enfermidades. É tido pelos cientistas como grande vilão para a saúde. É cobiçado pela gula. É defendido pelos camponeses e pelos adoradores do sabor. Será o porco coisa de Deus ou do Diabo? Será que essa relação de amor e ódio tem alguma ligação com seu guinchar?

Mesmo com uma faca atravessada em seu peito, sangrando carne e coração, o porco guincha desrespeitando a lógica da morte. Guincha forte, guincha doído, guincha enlouquecido. Parece trilha sonora de filme de terror. Seu guinchar é ouvido a quadras e quadras de distância. O guinchar precede a golfada de sangue, o torresmo, o chouriço. A cada vez que se ouve um guinchado ou se come carne de porco, nosso corpo incorpora um desses gritos. Para chamar ou afastar a morte, guincha, porco, guincha!


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