08/09/2009 - Ela chegou
Ela chegou como quem já não chega. Ela chegou com uma rosa, cravada de espinhos, entre os dentes. Ela chegou sem dizer a que veio. Ela chegou como um eclipse oculto. Ela chegou em meio ao badalar dos sinos das três horas. Ela chegou em carne viva. Ela chegou pulsando. Ela chegou com um trecho de Garcia Marques à flor da língua. Ela chegou como uma marca d`água. Ela chegou intensa e sem pressa. Ela chegou com o quarto cheio de promessas. Ela chegou calando-me em seu corpo. Ela chegou falando em rapto, em exílio, em cativeiro. Ela chegou com pés de vento.
Ela chegou querendo colo. Ela chegou mostrando-me o mapa dos piratas. Ela chegou trazendo na bagagem duas fragatas. Ela chegou sem pedir nada. Ela chegou pela fresta da janela. Ela chegou florindo o jardim. Ela chegou e os alarmes não dispararam, e os guardas não me avisaram e o cachorro adormeceu. Ela chegou e o dia se desfez em mil pedaços. Ela chegou e o desejo transbordou. Ela chegou e as velas do meu juízo se apagaram de uma só vez. Ela chegou e o espelho voltou a ter reflexo. Ela voltou e as paredes espicharam seus ouvidos.
Ela chegou num comboio de sonhos, inéditos ou quase. Ela voltou e os cegos voltaram a enxergar. Ela voltou e os paralíticos voltaram a andar. Ela voltou e os leprosos voltaram a amar. Ela voltou e, com ela, a vida voltou ao seu lugar. As sombras correram para debaixo da cama. Os pensamentos ruins escorreram pelo ralo. As esperas se findaram dando origem a um novo tempo. Agora, todos pedem que ela tenda ao infinito. Ao infinito de nós dois, hoje, amanhã e depois.
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