14/09/2009 - De olhos fechados
Não sei qual é a razão, mas de olhos fechados o beijo fica mais intenso, a prece sobe mais alto e uma colherada fica mais saborosa. Talvez a causa se baseie no fato da visão tirar a vida de foco. Num piscar de olhos, nossos pensamentos se distraem com as coisas da televisão; com os carros que passam; com uma pessoa a chegar e outra a partir; com uma janela e, a partir dela, mil coisas a serem abertas; com luzes que nos levam pra lá e pra cá; com sombras e assombrações.
De olhos fechados a vida, ao menos sentimentalmente falando, ganha sentido. Felizes os gatos de antigamente que, ao nascer, demoravam três dias para abrir os olhos. Embora enxergar seja uma dádiva, o mundo visual é estressante e fugaz. Perdemos muito da vida vendo o que não é da nossa conta, o que não leva ao nosso crescimento espiritual, o que não tem valor enquanto sentimento. E isso se agrava ainda mais nos dias de hoje quando o ritmo de sucessão de imagens é vertiginoso.
É tanta coisa para olhar que, realmente, perdemos o foco. A cabeça fica cheia de imagens sobrepostas, se acotovelando e nos doendo. Não somos dotados de um programa em que ao apertar de um botão apaga-se o desnecessário. Somos humanamente falíveis. E, assim, sobrecarregados de fotografias nervosas, nossa memória falha. E então o cotidiano nos receita remédios de tarja negra, no leva ao psicólogo, nos chama de caducos.
O curioso é que o detalhamento de um beijo de olhos fechados, de uma prece de olhos fechados e uma colherada de olhos fechados permanece nítido por anos e anos a fio em nossos pensamentos.
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