Daniel Campos

Texto do dia

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02/04/2009 - Arraial dos carreiros

Tive notícias de que vô Antônio está feliz da vida, ou melhor, da nova vida. Afinal, com a recente morte de Carreirinho, mais um violeiro dos bons vai poder solar seus dias lá no plano celestial. Afinal, nem só de harpas vive quem passou dessa pra melhor. E que emoção deve ter invadido meu avô, que ouvia Carreirinho em seu radinho de pilha pelas madrugadas sem sono, quando o cantador chegou lá pras bandas do divino. Dia desses, ele já havia organizado uma roda de catira por lá. E não há nada de pecado nisso, afinal estou falando de moda de viola e não da promiscuidade musical, ou melhor, anti-musical que dominou a terra nos últimos tempos.

O autor de clássicos caipiras como "Boi Soberano" e "Ferreirinha" morreu aos 87 anos, levando com ele mais um pedaço da raiz dessa música em franca extinção (ao menos, nesse plano terreno). E meu avô, que anda de chapéu de feltro pelas nuvens estradeiras, já está pensando em organizar um arrasta-pé por lá para dar as boas vindas a esse violeiro dos bons. Esperto como só, vai aproveitar que o tempo das festas juninas está por vir para fazer uma fogueira com direito a ponteados de viola e choros de sanfona. E não vai faltar quem queira participar do arraial dos carreiros. Afinal, Antônio que já foi carreiro, está ao lado de Tião Carreiro, Zé Carreiro e Carreirinho.

Dia desses, numa fazenda, em meio a um bom almoço mineiro, com direito a carro de boi na recepção, pronto para ser carreado, costelinha de porco e torresmo do bom no prato, uma dupla caipira cantava Boi Soberano por entre as mesas fartas. "Me alembro e tenho saudade do tempo que vai ficando/ Do tempo de boiadeiro que eu vivia viajando". A letra contava a história de um boi que tinha fama de criminoso, mas depois de salvar uma criança virou herói. Pois é, naquele dia tive certeza de que vô Antônio se aproxegou numa das cadeiras vazias e ficou ali, assuntando aquela cantoria. Agora, ele não precisa mais carrear atrás da viola que lhe fez companhia por tanto tempo. Os carreiros estão todos juntos mais uma vez.


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