Daniel Campos

Texto do dia

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16/08/2009 - Amarelice

As letras pretas se tornam mais sedutoras nas páginas amarelas de um livro. O chamado papel pólen deve ter sido inspirado na cor do miolo das flores.

Eu gosto da cor amarela, mas essa amarelidão que invadiu o cerrado só me traz desgosto. É como se o inverno seco sugasse a cor do reino vegetal produzindo um mundo pálido, subnutrido e nada convidativo aos sentidos. Essa amarelice faz mal aos olhos, à língua, aos ouvidos, às narinas e ao tato. As cenas amareladas são ásperas, gritantes, sem sal nem doce, quentes demais e empoeiradas. Além do mais, trazem uma sensação de coisa velha ao coração. E, como amante inveterado das chuvas, posso dizer que essa sensação só faz desagradar aos que acreditam na vida que brota.

Nem mesmo o trigo amarelo brota nessa sequidão. Na verdade, os brotos de agora são outros.

Com inveja da natureza, já há uma infinidade de carros amarelos percorrendo as ruas, um exagero de mulheres de vestes amarelo-canário desfilando pela praça, um verdadeiro enxame de sorrisos amarelos se espalhando pelos rostos, além, é claro, de uma epidemia de febre amarela. Os artistas plásticos só fazem pintar uma natureza morta em suas telas, abusando dos tons pastéis. E pelas praias e piscinas, uma multidão se entrega ao sol amarelo girassol, como que pedindo para que o símbolo arauto do inverno seco sugue todas as suas cores.

Em meio a tanta amarelidão, os amarelos de fome já morrem sem causar tanto espanto.


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