Daniel Campos

Texto do dia

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22/09/2009 - Acudam a centopéia

Era noite grande. Chovia tanto, que a lua, como pranto, descera em corredeiras. No jardim, uma centopéia de argila, pintada a mão por algum duende arteiro, era atingida por dezenas, centenas, milhares de pingos. E uma menina, no canto extremo da varanda, de pantufa no pé e toca felpuda na cabeça, tentava esticar conversa com a topéia. "Topéia"? Era assim que a menina chamava aquele bicho de várias patas e corpo em formato de gomo de jujuba.

Mesmo não gostando muito da aquisição da mãe, tendo, inclusive, reclamado por ter comprado tal monstro na feirinha, ela estava preocupada com a saúde da topéia. E se ela gripar? E se pegar uma pneumonia? E se morrer afogada? Não sei que língua elas falavam, mas a menina tinha certeza de que a topéia estava insatisfeita, até mesmo, reclamando de estar no meio daquele aguaceiro. Definitivamente, não estava nada feliz sob aquele toró.

Ela não pensou duas vezes. Foi até o quarto da mãe e, sem acender a luz, caminhando na ponta dos pés, chegou ao seu ouvido e falou mansinho. "Mamãe, a topéia tá na chuva". "Mamãe, tem que buscar a topéia". Ela tentou por várias vezes resolver a questão por meio de sua delicadeza. Diante da falta de resposta da mãe, que só desenhou um leve sorriso no rosto enquanto abraçava a pequena de olhos fechados, ela começou uma gritaria dizendo.

"Acode, acode, que a topéia tá morrendo lá na chuva". Gritos e choros.

Tendo acordado a casa toda, ela organizou a operação salvamento da topéia. Afinal, no entender da menina, a centopéia precisava bem mais do que um simples guarda-chuva. Precisava de cobertas quentes, mamadeira e carinho de mãe.

"Cadê a mãe dela, mamãe"...

Começa outra operação, agora destinada à procura da mamãe centopéia de argila. E a noite grande ficou pequena diante dos sonhos daquela menina...


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