Daniel Campos

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26/10/2009 - A morte de um semeador da cidadania

por Eduardo Suplicy, Jornal do Brasil

RIO - A morte de Evandro João da Silva, coordenador de projetos sociais do Grupo AfroReggae, no último dia 18, nos leva mais uma vez a repensar o porquê da violência, da guerra humana. Ao protagonizar mais uma tragédia do cotidiano do Rio de Janeiro, Evandro chama a atenção para a falha do sistema de segurança, para a luta pela sobrevivência a qualquer preço.

É difícil de acreditar que ele, Evandro João da Silva, que sempre buscou combater a violência por meio do trabalho social que desenvolvia, foi calado pela violência. Há 10 anos atuando junto à população de Parada de Lucas, de Vigário Geral, do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho. Evandro procurou sempre levar cidadania a cada um daqueles jovens que participavam dos projetos desenvolvidos pelo Grupo AfroReggae nas favelas do Rio. Dentre os projetos pelos quais foi responsável está o Rebelião Cultural, promovido pelo F4 – pool de organizações não governamentais formado por AfroReggae, Cufa, Nós do Morro e Observatório de Favelas – cujo objetivo é levar cursos e oficinas para dentro de presídios cariocas.

Eu mesmo tive a oportunidade de conhecer de perto o trabalho do grupo. No dia 14 de agosto de 2008, proferi palestra na Associação de Moradores no Complexo do Alemão, a convite do Grupo Cultural AfroReggae. Foi justamente Evandro João da silva o coordenador daquele evento, juntamente com José Junior. Eles me pediram para explicar como a Renda Básica de Cidadania, ao prover o direito de todas as pessoas participarem da riqueza da nação, de maneira incondicional, poderia contribuir significativamente para que em nosso país, inclusive na cidade do Rio de Janeiro, houvesse um sentimento muito maior de solidariedade, de justiça, de condições de sobrevivência e dignidade para todos. Assim, haveria a diminuição do grau de criminalidade e violência que vem preocupando a todos nós. Evandro João da Silva foi um dos que aprovaram entusiasticamente a Renda Básica de Cidadania. Infelizmente, ele se foi antes que ela tenha sido implementada.

A Renda Básica de Cidadania somada ao trabalho do Grupo AfroReggae, sem dúvida nenhuma, é mais um instrumento para se evitar que tragédias como a que levou Evandro à morte continue acontecendo. Daniel Campos, um jovem jornalista e poeta, descreve em seu site www.danielcampos.biz, a propósito da minha palestra. A comunidade participou, eu me emocionei, e Evandro se empolgou ainda mais diante daquele mundo tão melhor quão possível. Depois da palestra, muita gente entendeu que o Brasil pertencia a todos e que tinha tudo para ser um país de muitos. Embora tivesse somente 42 anos e fosse um entusiasta do programa Renda Mínima, aquele tiro disparado na esquina das ruas do Ouvidor e do Carmo fez com que ele não testemunhasse a completa efetivação desse programa que leva à paz social. Um programa que tem tudo para mudar o refrão de uma música da banda AfroReggae que, ironicamente, ilustra a morte de Evandro:

Não aguento mais

são iguais sobrepondo

são iguais sobrepondo

são iguais sobrepondo os iguais.

(Trecho da letra São iguais sobrepondo os iguais (AfroReggae)

Há muitos anos trabalho para que a Renda Básica de Cidadania seja implementada como uma importante ferramenta para se construir a paz, a justiça e a liberdade social. Tenho a convicção de que com todos os brasileiros participando equitativamente das riquezas da nação conseguiremos uma sociedade muito mais justa, mais humana e livre de barbáries como essa que calou Evandro. Ele que dedicou sua vida a oferecer uma formação cultural e artística para que jovens moradores de favelas tivessem meios de alcançar suas cidadanias e escapar do caminho da violência foi calado. Calado à força.

Acredito que nem a morte conseguirá calar Evandro. O que aconteceu com ele servirá de exemplo para que a sociedade e as autoridades despertem para o entendimento de que nenhum motivo explica a guerra e a violência. É importante que esse sentimento tome conta de todos os cidadãos, em especial os moradores do Rio de Janeiro, onde as cenas de violência têm ocorrido com muita frequência. Ainda mais agora, em meio aos preparos para receber a Olimpíada, daqui a sete anos, possamos criar os meios para que o Rio de Janeiro, em breve, ofereça condições de todas as pessoas poderem se sentir numa cidade onde haja, além da sua beleza, que a todos nos encanta, a beleza fruto de instituições que signifiquem a solidariedade, a fraternidade, a realização, de fato, da justiça, como Evandro, José Júnior e os membros do AfroReggae tanto buscam. Vamos fazer com que a letra ganhe raízes, como descreve Daniel Campos:

Nenhum motivo explica a guerra

Nem a grana

Nem a ganância

Nem a vingança, nem avanço industrial

Nem esperança, nem o ideal

Nem em nome do bem, contra o mal

Nenhum motivo explica a guerra.

(Trecho da letra Nenhum motivo explica a guerra (AfroReggae)

Eduardo Suplicy é senador (PT-SP).

Observação do autor: Publicado no Jornal do Brasil em 26/10/2009: http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/10/25/e251017567.asp


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