02/04/2013 - Visão na velhice
O homem no fim da estrada, mesmo com a vista cansada, enxerga melhor. Enxerga o mundo rico em detalhes, em sentido, em nitidez. Tem foco. Não desperdiça olhares com bobagens. Sabe que o tempo para encher as vistas é precioso. Enxerga o que realmente vale à pena ser enxergado. É uma visão que decifra todos os códigos secretos contidos na imagem. Uma visão que lê e compreende as entrelinhas. Uma visão de longo e raro alcance. Uma visão mística, que se debruça sobre segredos e mistérios. Depois de tanto olhar como caçador, aprendeu a olhar como caça. Uma visão mais lenta, porém com gana de sobreviver.
O homem no fim da estrada, mesmo com miopias e cataratas, enxerga profundamente. Chega a enxergar a alma de quem atravessa seu caminho. Captura, com suas retinas embaçadas, intenções que pairam no ar. Enxerga fotográfica e cinematograficamente. Vê em três, quatro, cinco dimensões. Valoriza os ângulos mais difíceis, mas sabe encarar a obviedade com outros olhos. Suas pupilas já não guardam imagens como antes, sofrem de uma espécie de amnésia ocular, deixando tudo o que foi visto e revisto pelo caminho, mas vive intensamente cada olhar.
O homem no fim da estrada, mesmo com olhares envelhecidos, enxerga de forma inédita. Sabe distinguir o que é miragem e o que é paisagem. Compreende a diferença entre visão certa e incerta. Coloca em prática o que apreendeu com os erros de tantos olhares. Olha não só para frente, mas em torno e para trás. Traz olhos não só no rosto, mas nas mãos, nos passos, nos instintos, no coração. Enxerga com fé, com propriedade, sem pudor. Visualiza, até mesmo, a silhueta da saudade. Enxerga o que ainda não foi escrito, cantado, dançado, vivido. Enxerga, com um pouco de esforço, o seu próprio fim.
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