Daniel Campos

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28/08/2010 - Viralata

Foi tudo muito rápido. Oitenta, noventa, cem quilômetros por hora. Uma descida em curva. Ultrapassagens proibidas. Riscos. Perigos. Negligências. Carros enfileirados em uma pista única. De repente, um grito. Um grito de dor e choro. Não foi um latido ou um uivo, foi um grito o que precedeu a imagem de um cachorro preto, viralata, caído no meio da estrada. Tentou levantar, correr dali, mas as patas traseiras sequer se moveram. E as dianteiras, por conta da dor, não se sustentaram. Carros passando e aquele cachorro, em silêncio, com olhos doridos.

Fiquei com aqueles olhos presos em meus olhos, com aquele grito ecoando em minha cabeça por muito tempo. Em uma fração mínima de tempo, o destino, como espírito zombeteiro que é, aprontou mais uma e aquele cachorro ficou condenado ao asfalto. O preto do cão preso ao pretume do piche. É como se toda a vida restante aquele animal ficasse concentrada em seus olhos. Olhos intensos. Por maior o desejo, impossível parar o carro ali e socorrer aquele cachorro até então sem nome, sem raça, sem endereço.

Um cachorro tão viralata como aqueles humanos que se acham inatingíveis quando dentro de suas máquinas. Eu podia ter feito alguma coisa. Mas o quê? Fui tão viralata quanto o motorista que o atropelou e os outros que passaram sem socorrer aquele bicho. Sobrou-me o sentimento de culpa. Mas de que isso adiantou para aquele cachorro que ficou no meio da estrada à espera de socorro. Será que o resgataram? Será que ele está lá até agora? Será que veio outro carro e terminou de matá-lo? Independentemente do que aconteceu, como todos os outros personagens dessa tragédia cotidiana, fui viralata.


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