Daniel Campos

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22/06/2011 - Uma data difícil de esquecer

Hoje, dia 22 de junho, era dia de meu avô levantar cedo, caprichar no penteado, tanto do cabelo quanto do bigode, passar um pouco a mais de perfume e abrir um sorriso largo. Era como menino em dia de aniversário: gostava de receber cumprimentos, de ser lembrado, de ganhar presentes, de fazer festa. Só não gostava de ficar mais velho, porém, como todos sempre lhe davam anos a menos ele se enchia de orgulho de ter a idade que tinha forte e jovem daquele jeito.

Passou a maioria de seus aniversários trabalhando no sítio que, de uma forma ou de outra, foi seu mundo mais lúdico. Tanto que assim como tem criança que escolhe um super-herói de gibi ou um personagem de desenho animado para ser tema de sua festa, meu avô escolhia sempre seu sítio. O sítio sempre foi o cenário de suas festinhas, regadas a churrasco, cerveja e passos de dança. Cenário perfeito, afinal, ele e o sítio eram um só há mais de setenta anos. Um casamento perfeito.

Se estivesse encarnado, certamente iria estar às voltas com os planejamentos de sua festa de 80 anos (já no próximo ano), querendo reunir os amigos, saborear uma boa costela, vestir uma calça de linho branco e uma camisa vermelha e sair dançando por aquele salão de baile infinito que foi o seu sítio. E como é São João, quem sabe os santos não lhe dão uma bela festa com direito a um animado arrasta-pé. Ao menos, é isso que vou pedir em minhas orações de hoje como seu presente de aniversário.

Além das preces, ofereço abaixo um poema em homenagem aos seus 79 anos de vida, pois seu coração continua batendo forte nas lembranças que ficaram em mim.


Poema póstumo de aniversário

Meu avô,
Bem que o senhor dizia:
O tempo é água corrente
Arrasta bicho, planta e gente
Nos leva, nos junta e nos separa
Enterra-nos como semente
E nos colhe, nos tolhe e nos cala
E quem para fica, para sempre,
No fundo de um lago sem fundo

Seus olhos trincaram
Feito duas paredes verdes
Seu corpo forte
Tombou feito arco
Diante da morte,
Flecharam suas costas
Ceifaram suas encostas
Afundaram seu barco

Veio o tempo e a tempestade
E sua carne virou o barro
Da estrada onde segue a boiada,
O menino de chapéu de palha
E o carro de boi da saudade...
No jacarandá, chora a sabiá
Perguntando se o senhor,
Se o senhor não há de voltar

O mato se alastrou pelo terreiro
Seu trator nunca mais berrou
Nem o curió nem o cachorro campeiro
Ninguém mais sorriu, ninguém mais cantou
O galo faz seu cocoricó a meio tom
Ainda de luto
E pela lua cheia, jaci,
Tem quem enxergue seu vulto
Ao lado do amigo saci

A sanfona abre e fecha
Querendo notícia dos seus bailados
Enquanto a viola
Entoa tristonha pelos seus roçados
Onde o arado se perdeu
Onde o abacateiro murchou
Tudo se vendeu
Tudo se acabou
Nas mãos de quem ficou

Foram-se os bens
Restaram os poréns
Os aplausos e seus causos,
Vamos em frente
Coragem
Feliz aniversário
Sem mais, parabéns
Siga em paz
Amém...

Observação do autor: Hoje, Liberato de Lima Barbosa, meu avô e agora também anjo da guarda, completa 79 anos de vida. A ele, o meu respeito, a minha reverência, a minha saudade...


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