Daniel Campos

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13/05/2014 - Uma cena

De repente, você está num lugar tão familiar quão estranho ao mesmo tempo. O sol brilha intenso lá fora, mas não consegue chegar inteiro em seu ambiente. Pelo contrário, chega fraco colocando você numa penumbra. À meia luz, sente sua respiração pausada. E as cortinas pesadas, que escondem grandes janelas de pedra, pulsam vagarosamente ao vento. Uma sensação de umidade e até de frio toca seu corpo. Aliás, você não consegue se olhar de corpo inteiro, mas sabe que é você; seu rosto, seu colo, suas mãos... E suas unhas um pouco mais longas do que o habitual, mas com o mesmo desenho e numa cor intensa.

Seu vestido longo, mas numa composição leve, cobre suas pernas deixando parte de sua pele exposta. E ao alcance de seus dedos um piano envelhecido como parte de um sonho antigo. E sem saber como suas mãos deslizam sobre aquele marfim amarelado e um som que lhe habita ha muito tempo escapa naturalmente. A acústica daquela sala grande e suntuosa produz ecos que vão lhe trazendo para perto e levando para longe num súbito de paralelos. Os pés, ao ritmo, acabam tocando só as pontas no chão, fazendo seu corpo arquear e espichar tendo os olhos fechados, mas enxergando tudo ali a sua volta.

E como que num choque avança em sua direção uma sombra que quebra as notas. A densidade muda. O ar turva. A respiração ofega. As mãos chegam a tremer não tocando com a mesma segurança nas teclas. Um incômodo generalizado. Você quer sair e suas pernas amolecem. Você quer gritar e silencia. Você quer esquecer o que passou, porém tudo está ali tão vivo trazendo tudo novamente à tona. Os sentidos parecem sumir e você vai pendendo até que uma força oculta a toma e você se faz arma e ataca, e recupera o domínio de si e caminha por tapetes. E mesmo distante do piano, a música continua em você.


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