Daniel Campos

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Um mundo febril

Sol. Sun. Soleil. Sole. Sonne. Zon. Seja qual for à língua falada, escrita ou escutada, ele, o sol, brilha soberano. A estação não muda. É verão o tempo todo. Metade da Groenlândia virou mar. Parte da Antártida se perdeu e com ela, uma legião de pingüins e leões marinhos. O mar tem seis metros a mais do que se acostumou a ver naqueles velhos Atlas em nossas aulas de geografia. A Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro; a Vila Belmiro, em Santos; a praia da Boa Viagem, em Recife, e a Ponte dos Ingleses, em Fortaleza, e outros tantos cartões postares litorâneos estão debaixo d´água como Atlântida, a cidade perdida. Se houvesse um termômetro que medisse a temperatura média do mundo, o mercúrio indicaria 18ºC. Termômetro? É um mundo febril. É um mundo doente. É um mundo em extinção.

Este cenário não pertence à última produção hollywoodiana de Spielberg ou George Lucas. Mas é o que aconteceu há 125 mil anos com o planeta Terra. Mas não pense o leitor que esse cenário está condenado ao passado. Isso e muito mais é o que está previsto para acontecer no final deste século. Isso mesmo, a Terra, depois de muitas translações e rotações, tende a terminar o século 21 com uma temperatura igual ou maior que 18ºC. Hoje ela já está em 14,5 ºC. Estava em 13,78ºC, em 1905. A situação é tão crítica que se não fosse despejado mais nenhuma gota de gás carbônico nos céus, a temperatura ainda subiria 0,1ºC a cada dez anos. No momento em que você estiver lendo essa matéria pode ter a certeza de que a concentração de gases que causam efeito estufa é a maior em 650 anos. 650 anos? Mas o que acontecia no mundo em 1357? Neste ano, morria Dom Afonso IV, rei de Portugal. Com a morte do pai, Dom Pedro (um Dom Pedro anterior àquele que proclamou a independência brasileira) sobe ao trono e manda executar os assassinos de Inês de Castro.

Mas o aumento em um ou dois graus na temperatura média do mundo pode ser mais trágico do que o assassinato de Inês de Castro? Uma variação de um grau para mais ou para menos é o suficiente para acabar com o equilíbrio da terra e provocar catástrofes sem tamanho, como as descritas no primeiro parágrafo deste texto. E isso não é bravata de ambientalista, é documento científico.

Dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, a rainha das águas. Pode parecer coincidência, mas muita água rolou nesse dia em que o mundo se uniu em torno de um sentimento ? medo. Reis, presidentes, economistas, deputados, sheiks, cientistas, gueixas, estudantes, muçulmanos, (...), e trabalhadores do Judiciário e do MPU tiveram seus medos convergidos em uma só ameaça. E a ameaça agora não é nuclear, nazista ou terrorista. A bola da vez é o aquecimento global. E quem soou as trombetas não foi um anjo qualquer, mas 2.500 cientistas.

A situação do planeta foi diagnosticada pelo IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, criado pela ONU, em 1988. O comitê reúne 2.500 dos principais pesquisadores de mudanças climáticas de 153 países. Esse painel divulgou seu quarto relatório, um documento que não deixa nada a desejar ao livro do apocalipse.

Segurem-se em suas cadeiras. Prendam a respiração. Vamos dar um salto no futuro. Estamos agora em 2040. O mundo de hoje vive as conseqüências de furacões como o Katrina, que são tão comuns como uma chuva de verão. E por falar em chuva, o planeta vive o drama de fortíssimas trombas d?água, de ver o inverno se tornando lembrança e de ganhar quilômetros e quilômetros de deserto a cada novo dia. Não se assuste, mas metade das espécies da fauna e da flora do planeta está em extinção. Mas isso não é tudo. É preciso ir mais longe. Controle a adrenalina, pois vamos para 2080. Agora, quase um bilhão e meio de pessoas passam fome em decorrência do clima. Há uma guerra nuclear para conquistar água doce. Exércitos ocupam rios, lagos, lençóis subterrâneos. O mundo que passou pela guerra fria enfrenta agora a guerra seca. Já no domínio de Poseidon, o deus grego dos mares, ressacas tragaram sete milhões de casas, deixando 170 milhões de pessoas desabrigadas.

Mesmo que esse relatório vire uma espécie de best-seller, que todos façam a sua parte, ainda nos falta à dimensão dos prejuízos já irreversíveis ao planeta. E sabemos que fábricas não deixarão de ser construídas; e sabemos que ainda existem muitos Bushs por ai; e sabemos que o desmatamento na Amazônia não vai se estancar. Sendo assim, quanto valerá uma lembrança de neve? Será que os bonecos de neve ficarão restritos às histórias de natal? Como será bom recordar das noites de frio com chocolate quente... Será que os nossos netos saberão o gosto de um chocolate quente? E por falar em netos, como será ouvi-los nos condenando sobre a extinção dos ursos polares? Pensamentos duros para uma realidade mais dura ainda.


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