Daniel Campos

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Um convite à solidão

Era preciso você. Não demorei a perceber que o que buscava era você. Você de tanto você. Horas e demoras olhando sem ver coisa alguma, dentre tantas visões nefastas, buscando uma explicação, um porque que não conhecia de onde vinha, uma razão para prosseguir... Mas a única causa que conseguia encontrar, entre angústias e agonias, era a conseqüência... Você. Era impossível deparar com algum tema além de você. Talvez já o soubesse. Apenas tinha que me convencer.

Um convite à solidão, um silêncio quieto e uma paisagem que dizia por si própria. No início seriam minutos, algumas horas, semanas a fim de achar respostas para a qual só haviam hipóteses e mistérios. Dentre tantas reflexões, uma pergunta que resumia tudo: como viver ausente de você? Podia ler jornais, revistas, livros, ouvir canções e só conseguia me perder desse mundo (que inexiste sem suas estruturas de cimento, suas frases prontas, seus consolos indecifráveis...).

Alienava-me em suas lembranças, projeções do seu rosto, do seu corpo, dos seus gestos e trejeitos em frases pensadas ou em delírios que suportavam minhas ambições. Minha ambição? Eis, você. Tragava todas as suas falas e meus pensamentos já haviam decorados os trechos da protagonista do meu destino. Destino? Não, não o creio. Sempre acreditei que quem o constrói é a espontaneidade da vida. E é nisso que peco. Ao lado de você não sou espontâneo, o medo me percorre, as minhas ações são todas pensadas e edificadas em ensaios que realizo longe de você. Outro erro. Não sou eu quem conduz nossos encontros, deixo-a me envolver com sua conversa ingênua e determinada, sou acuado e jogado no plano de um mero coadjuvante. Admiro seus atos, impregnando-me de atitudes.

Perto de você sou real. Eu que não pertenço à realidade alguma sou uma fonte por onde escorre abstrações. Perto de você fico longe de mim. Mas o que importa: Você ou eu? A resposta faz-me questionar a vida, que me deixa a sós comigo mesmo. Eu e minhas alucinações. Eu e meus devaneios. Eu e minhas sandices. Eu e minha falsa vida. Pertenço a minha alma e embora com toda a fantasia, isso não me basta. Quando estou a te perder, os sonhos morrem com uma fragilidade tamanha, parindo a desilusão. E eu não posso fazer nada para impedir.

Sonhos morrendo na minha frente, nos meus braços, morrendo sem sangue, sem gritos, morrendo em uma palavra... Uma palavra que desliza em sua boca e que não era para ser aquela palavra ou aquele mísero aceno de adeus. Quando me dá as costas é menos doloroso, posso ver-te sumindo, anestesiado por seus atos derradeiros, mas ao dar-te as costas não vejo nada além dos teus olhos na hora da despedida. Olhos que não sei se dizem adeus ou me pedem para ficar, nunca tive a certeza.

E por que a despedida? Por que não somos um casal de namorados como tantos outros, somos uma melodia que o compositor guardou numa gaveta. Assobio-te como alguém que não entende nada ou tudo compreende, inconscientemente. Entendo você, seu ritmo, sua cadência, seus versos, mas não sei a tua letra. Aliás, você ainda não tem letra.


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