Daniel Campos

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07/09/2010 - Um avô, um neto e as damas de setembro

- Alôôô!

- Oi seu Líbio, tudo bem com o senhor?

- Oi Daniel, que saudade! Falei agora mesmo com a sua avó que já ia muito tempo que a gente não se falava.

- Pois é, meu avô, a saudade fala mais forte. Que falta me faz o senhor.

- Tempos bons que não voltam.

- E como estão elas?

- Elas quem?

- Elas, as damas de setembro.

- Ah! Já sei do que está falando. Estão lindas.

- Eu posso imaginar.

- Por causa da chuva que caiu no comecinho de junho os pés carregaram de um tanto. Ficaram floridos que só. E agora estão pretinhos de dar água na boca.

- Dá água na boca lembrar as jabuticabas do sítio do senhor.

- Ontem mesmo tratei de encher uma balde e levar para sua avó que comeu até altas horas.

- Sabe qual o pé que está mais doce?

- O que tem mais abelhas é aquele torto, perto da valeta. Tem umas graúdas lá que estão como mel.

- Foi o senhor quem me mandou aquele vento adocicado no fim da tarde de ontem, com perfume de jabuticaba madura, não foi?

- Eu ainda tenho alguns truques...

- Lembro dos sábados que a gente ficava dependurado em cima das jabuticabeiras, fazendo daquelas frutas nosso almoço e sobremesa.

- Lembra da simpatia de engolir as três primeiras com casca?

- Tem coisas que a gente não esquece...

- E o senhor que sempre quis ter asas para chegar ao último galho, agora, praticamente, realizou seu sonho. Pode voar e pegar a fruta mais cobiçada da árvore.

- E quem lhe disse que eu não tinha asas antes?

- Tem razão. Se não tivesse asas o senhor teria morrido muito antes num daqueles escorregões, passos em falso...

- Tem dias que fico pensando que a gente precisava de tão pouco para ser feliz. Bastava uma jabuticabeira.

- Bastava estarmos juntos.

- Verdade. Juntos a gente conseguia inventar outro mundo, bem melhor do que esse que existe por aí.

- Um mundo tão mágico quanto um pé de jabuticaba que passa o ano inteiro com aquele tronco com aparência de velho e descascado e depois se enche de bolinhas de açúcar.

- Você não vai pra lá esse ano não?

- Pra quê? O senhor não vai estar lá para colocar o trator debaixo das jabuticabeiras para facilitar minha colheita; não vou vê-lo subindo por entre aquelas galhas com chapéu de palha e botinas; não vamos disputar quem enche mais rápido uma sacola...

- Mas as jabuticabas continuam lá...

- Tenho certeza de que elas perderam o sabor.

- Posso confessar uma coisa? Eu também achei. E as da sua casa?

- As daqui de casa são ruins, daquelas enxertadas com gosto de nada. Não tive a sorte de ter sabará alguma por aqui. Iguais aquelas do sítio eu acho que nunca mais vou provar.

- Que pena. Eu plantei uma muda lá na colônia onde estou morando agora. Está bonita, viçosa. Acho que daqui um tempo vai ficar carregada. E daí quem sabe eu dou um jeito de levar uma balde para você ou, melhor, eu acho que vou plantar uma muda dessa no seu quintal. Aliás, você gostou do pé de maracujá?

- Sabia que tinha o dedo do senhor naquele maracujazeiro que apareceu na beira do muro dos fundos do dia para a noite.

- Mas agora tenho que desligar.

- Já? Mas está cedo ainda...

- Eu sei. Mas são as regras. Temos que as cumprir, senão...

- Está certo...

- Mais pra frente nos falamos um pouco mais.

- Muito obrigado por ter atendido a minha ligação. Dá um beijo na avó, por favor.

- Será dado. E fique com Deus.

- Amém. Muita luz pro senhor.

- Amém e até um dia.

Lágrimas. Vozes embargadas. Nós. Suspiros. E um gosto de jabuticaba estourando na boca...


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