Daniel Campos

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Tardes que tardam

O sol se põe em solidão. Não sei o que ocorre com as tardes, que são tristes por si só. As manhãs, as noites, as madrugadas... Todas podem ser tristes, mas as tardes não são por razão de escolha, são pela simples razão de ser. Nas tardes é que o corpo parece cansado de tanta vida. Na tarde é que surgem as lembranças. Na tarde surgem todas as dores passadas. Nas tardes é que inventamos de ouvir aquela música, que vamos ler aqueles escritos que ficam guardados esperando não sei o quê.

Tarde. Talvez seja a sensação de que o dia se vai, o tempo passa contra a vontade e que não conseguimos fazer o que queríamos. A sensação de que não somos o que sonhamos ser. Sonho. Na tarde é que nos embriagamos de tantos sonhos e nos decepcionamos, talvez porque acordamos cheios de esperança, uma esperança que cai como grãos de areia numa ampulheta.

A tarde, esta que me refiro, nostálgica, nasce ai pelas três horas e se estende até o sol cair em esquecimento. É na tarde que temos a sensação de perda. É durante a tarde que somos os mais pessimistas possíveis. É na tarde que os velórios são mais tristes. Talvez porque o choro caia mais sentido. Talvez porque a tarde tem algo de morte. Quem já recebeu um convite de casamento para as três da tarde que me atire a primeira pedra.

As tardes de inverno são ainda mais saudosas. E quando chove à tarde, então? Há todo um sabor de saudade no ar que pousa abruptamente sobre a tarde. O vento parece carregar a tristeza nos braços e abandoná-la em nossas janelas. Sinta o vento da tarde. Comungue do vento da tarde. Entregue-se ao vento da tarde. Cuidado, pode ser uma entrega sem volta. Enquanto trabalhamos, fazemos alguma coisa, o sentimento que brota das tardes passa despercebido. Mas aos sábados, domingos, feriados e dias afim, a tarde tem uma sensação única.

É o momento em que o tempo pára para ver o passado passar. E o passado vem com a mesma carga de sentimentos de quando foi presente. Surgem histórias, mitos, frases, amores, lágrimas, todos passam por ruas e deságuam no corpo e mais tarde se vão. Sentimos tudo novamente. É como se a vida passada tardasse em chegar. A tarde é como um barco à vela que lamenta pela falta de vento, um barco que se vê perdido, sozinho, abandonado, num oceano imenso. À frente, a esperança de novos mares, terras, vidas; Atrás, um caminho o qual as ondas nos empurram, embora já conhecemos suas águas. As correntes no trazem de volta tanta coisa que ficou. A tarde é como se a água corrente parasse de correr e, até mesmo, corresse na direção contrária, embora os ponteiros insistam em seguir em frente. Tardes, tardes que nos entardecem.


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