Daniel Campos

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19/09/2012 - Se meu criado-mudo falasse...

Se meu criado-mudo falasse, revelaria meu conjunto de ações noturnas, conscientes ou não. Se meu criado-mudo falasse, confessaria meus pecados. Se meu criado-mudo falasse, o mundo se escandalizaria com o tempo e o enredo da minha insônia. Se meu criado-mudo falasse, descrever-me-ia os anjos e os demônios que rondam meu sono. Se meu criado-mudo falasse, falaria também dos sussurros, gemidos e gritos que ecoam pela penumbra do meu quarto. Se meu criado-mudo falasse, trair-me-ia antes do romper do sol.

Se meu criado-mudo falasse, contaria que a lua em muitas noites visita a minha cama. Se meu criado-mudo falasse, cantaria as canções que componho dormindo. Se meu criado-mudo falasse, relataria as viagens que faço, as estradas que percorro, as dimensões que adentro durante minha dormição. Se meu criado-mudo falasse acreditariam no que escrevo. Se meu criado-mudo falasse, suas falas conteriam as alucinações das minhas horas mais frias, das minhas cordas mais esguias, das minhas hordas mais sombrias.

Se meu criado-mudo falasse, traria detalhes sobre a plástica, o cheiro, a temperatura do meu eu que dorme. Se meu criado-mudo falasse, plateias conheceriam o monólogo onde faço da minha cama o meu palco. Se meu criado-mudo falasse, far-me-ia uma série de questionamentos. Se meu criado-mudo falasse, divulgaria os perfumes que afloram da minha dama da noite. Se meu criado-mudo falasse, descortinaria o meu futuro, o meu presente e a minha saudade em um só golpe.

Se meu criado-mudo falasse eu cortaria sua língua na primeira oportunidade.


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