Daniel Campos

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10/08/2008 - Se eu pudesse, pai...

Pai, eu queria lhe dar um gol de Pelé, mas naquele preto e branco que não existe mais. Queria lhe dar aquelas músicas que o Roberto já não canta mais. Queria lhe dar aqueles sonhos que o cinema já não filma mais. Queria reconstruir o presente e descobrir o futuro que um menino, alegre e confiante, imaginou há anos atrás. Ah! Se eu pudesse, rastelaria as oportunidades perdidas que se espalham em seu caminho como folhas secas e lhe mostraria que ainda há caminho a seguir. Respire fundo e capriche, ainda dá tempo de fazer bonito.

Pai, se eu pudesse levaria para longe os medos que insistem em lhe rondar, trancafiando-os em masmorras para nunca mais voltar. Se pudesse, pediria ao sol para descer um pouco mais para perto de seus passos, livrando-o das sombras que insistem em lhe tirar o brilho. Se eu pudesse, sentaria ao seu lado e lhe entregaria um daqueles pães com bife e queijo derretido, os famosos churrasquinhos que o senhor fazia nos fins de tarde. E depois poderíamos nos fartar de uma panela de carne moída bem soltinha. E depois ainda nos lambuzaríamos dos mais variados doces. Eis um banquete com sabor saudade.

Pai, se o destino me permitisse eu pegaria Tom e Vinícius pelo braço e os levaria para lhe agradecer por ter me apresentado a eles. Hoje, somos bons amigos graças ao senhor. Ah! Por quantas vezes Buarques e Bethânias giraram pela agulha do aparelho de som diante de nossos olhos que iam tão longe quão perto demais. Às vezes, perto é longe e longe é perto. Tudo isso depende do sentimento vigente. Ah! E as páginas de Drummond e Pessoa que colocara ao alcance das minhas mãos. Devo confessar que aprendi as letras na escola, mas o senhor foi o professor que me alfabetizou no que havia de melhor na música e na literatura.

Pai, pena que o senhor com o passar dos anos se afastou de toda essa arte. Mas já diria um poeta mineiro que não existiria luz se não houvesse escuridão. E o contrário desta máxima também é verdade. Afinal, depois do silêncio, vem a música. Depois da pausa, vem a palavra. Depois do drible, o aplauso. E eu acredito nesta virada. Cadê aquele pai que saia comigo pelas manhãs de domingo pedalando pelas ruas da cidade? Cadê aquele pai que parava o carro e descia encantando com a flor de uma árvore? Cadê aquele pai que chorava diante de um acorde ou de um verso e os incorporava para a sua vida?

Pai, hoje, em especial, eu queria lhe dar aquele pai de volta. Este seria o meu melhor presente. Mas esse pai anda meio sumido. Não sei se ele ficou perdido pelo caminho, se foi esquecido em um canto qualquer, se cansou de tanta guerra e partiu para outros reinos onde a esperança é mais palpável. Ah! Mas eu não sou de desistir. Vou sair pelas ruas colando uma foto sua, com seu último sorriso nos lábios, e espalhar pelos postes da cidade com a inscrição "procura-se". A recompensa de quem lhe encontrar será a satisfação de conviver com aquela pessoa que sonhava, que acreditava que podia mover montanhas, que transbordava vida. Dia desses, o vô me disse todo tristonho que não sabe o que aconteceu com o filho dele... (Silêncio)

Pai, a vida é difícil. Mas se fosse fácil, não teria graça. Não aos sonhadores. E nós somos sonhadores. Então, cadê tuas asas? Cadê teu céu? Cadê o pássaro que lhe habita? Afinal, o horizonte está logo ali. E espera que nós o alcancemos. Ele se oferece todos os dias para nossos vôos. Basta querer. O mundo da rotina é o mundo das máquinas. E a vida, ao menos àquela que queremos, é dinâmica, leve e intensa. A nossa trajetória é breve, portanto não vamos esperar que o amanhã venha até nós. Vamos, de peito aberto, até ele. E o momento é ideal para esse encontro. Afinal, pai é uma espécie de super-herói que pode tudo. Ao menos, aos olhos do filho. E para completar essa conjuntura de poder, a ventania de agosto é propícia para vôos longos. Feche os olhos. Sinta o mundo que está ao seu redor. Levanta-te, pai! Basta se entregar e o vento forte lhe alçará como maranhões. Mas é preciso se entregar por inteiro. Por falar nisso, há quanto tempo o senhor não faz um maranhão?

Pai, aquele menino que assistia aos jogos de futebol na televisão do vizinho e sonhava com os personagens das histórias em quadrinhos cresceu e conseguiu muitas vitórias. Só que ao contrário do corpo, o menino não pode envelhecer. Se eu pudesse, roçaria minhas mãos em tua fronte de cabelos já grisalhos e, em uma espécie de mágica, traria aquele menino de volta. Mas não sou mago, não sou feiticeiro, não sou o tempo... Sou apenas um filho que queria que o reflexo do espelho tivesse aquela alegria de viver de anos atrás. Hoje, o reflexo me machuca o verso e a rima de pai é um tempo que distante vai.


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