Daniel Campos

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Sábado

Quantos os que tentam compreender a tristeza existente num Sábado. Acordar quase na hora do almoço, ficar o resto do dia na frente da televisão ou sair em busca de diversão, em suma, quebrando as regras da rotina. O que leva alguém a preferir o cotidiano, que em si é tão comum, tão cheio de gestos repetidos. O sono, o café, os afazeres, o almoço, a responsabilidade, o estresse, o jantar, o cansaço. Só os loucos trocam o sábado, da calma, da tranqüilidade, do improviso pela fatídica rotina. Somente os loucos e os apaixonados. Segunda, terça, quarta, enfim, todas as feiras vendo o desespero da sexta, a agonia de não vê-la amanhã e depois de amanhã, só depois. A sexta e a vontade da segunda, que insensatez.

Acordar na madrugada de sábado e não dormir mais por pensar que neste dia, ela não surgiria de forma cotidiana que me acostumara a encontrá-la. O travesseiro incomoda. Se coberto, descobre e vice e versa. Da cama faz-se o calvário. Se bem que em alguns momentos ainda pode-se recorrer à imaginação, pensar que a mulher amada está ao seu lado. Mas para isso é necessário que você seja falso consigo mesmo, pensando que a acaricia, quando, na verdade, tem sua mão escorrendo sobre o vácuo da solidão. Essa é a palavra perfeita para traduzir o sentimento que sobe pelas espinhas e desce pelas artérias do medo. Sentimento solidão.

É ela, a solidão, que nasce todo sábado. O parto começa ao findar da sexta-feira, as dores, a contração, mas ela só vem a nascer, do ventre da perda, nos primeiros minutos do sábado. E nesse momento, o corpo pára. Se dorme, acorda. Se entretido, estanca. Definitivamente, corpo pára para acompanhar o parto e a solidão, ainda ensangüentada, vem repousar em meus braços. Embalo-a por toda a madrugada tentando acalmá-la de suas cólicas de angústia, de sua fome de lembranças, de seu sono intranqüilo que nunca se consuma plenamente.

Os galos nem cantaram e você já estaria de pé. Levantaria mais vazio que um copo ao fim da noite e ao olhar à cama e teria a sensação de que a mulher amada dormiu ali. Se olhar bem verá os traços dela amarrotados no lençol. Pode até tentar ir ao seu encontro, levar as mãos até aquela projeção e senti-la. De repente, sentirá suas mãos frias, como as mãos que pedem e nada recebem. Para tirar qualquer cisma, arrumará a cama, ainda meio desconfiado. Abrirá só um pouco a janela e irá se lembrar dos sonhos não sonhados, todos com ela no papel de protagonista. Sonhos sem conteúdos, sem falas, sem enredos, só com imagens dela.

Olhará para o relógio quase parando. O céu a ser visto da janela entreaberta irá conter as cores da última blusa dela. De súbito, abaixará a cabeça e ao olhar novamente se irá se deparar com o mesmo céu que encobre a todos. Trocará de roupa, arrumar-se-á como se fosse encontrá-la, mas ao abrir a porta escutará os passos dela indo para além dos ouvidos. Respirará um pouco. Irá buscar o jornal e ao lê-lo, ao invés de notícias, achará frases dela.

O chá quente esfriará diante dos olhos longínquos. O dia prosseguirá em tom de passado, na expectativa de revê-la em qualquer canção, chamado, esquinas. O telefone cairá numa crise de mudez como aqueles ataques que só acontecem aos sábados. E a certeza de que só de vê-la de longe ou de ter a sua voz em uma ligação já seria o bastante para salvar o sábado, eis a incerteza. O sábado emudece, se estanca e me cega.


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