Daniel Campos

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Rosa benta

Como que numa tradição, passada de geração em geração, ela, com sua idade ainda cheirando a adolescente, caminhava. Como já caminhou sua mãe, sua avó, sua bisavó. Caminhava por um caminho feito de calçadas de pedra e ruas tortas levando uma rosa em suas mãos. Levava uma rosa branca. E pelo caminho ia encontrando outras meninas, moças, mulheres, senhoras e até alguns homens com rosas nas mãos.

Rosas de todas as cores e tamanhos, algumas ainda em botão. De outras, vindas em mãos de crianças, faltavam algumas pétalas. E ela, como na fábula de joão e maria tinha vontade de ir jogando as pétalas pelo chão para marcar o caminho de volta. Era a primeira vez que ia sozinha. Tinha euforia. Tinha medo.

Quase perto das cinco horas e o sol caia minguante na tarde. E como numa procissão dispersa de rosas, ela chega à escadaria da capela de santa Terezinha das Rosas. A igreja se enfeitava de rosas e nem era dia de casamento. Ao contrário de velas, suas mãos ganhavam rosas. Rosas de jardim, rosas de floricultura, rosas pedidas, rosas compradas, rosas ganhadas.

Rosas rumo à missa das rosas. Pelo chão da igreja, pétalas e mais pétalas forravam o caminho por onde o andor da santa ia passar. E para desespero da moral daquela menina da rosa branca, assim que ela entrou naquele ambiente sacro imaginou-se nua deitada naquelas pétalas. Pecado? Pecado! O sol e a ansiedade deviam ter mexido com sua cabeça. Benze-se, ajoelha e reza sua própria penitência. Mas a tentativa de se automedicar foi em vão.

A missa começa e ela não consegue se concentrar. Aquele perfume de rosa mexia com ela. Ela virava para trás o tempo todo à espera de um cavaleiro com os cabelos grandes e os olhos azuis como o jesus dos filmes de hollywood. Esperava que o cavaleiro entrasse e a roubasse em seu galope. Esperava. Esperava que algum antonio viesse com uma rosa nas mãos pedir-lhe em casamento. Esperava que algum joão lhe quisesse em uma fogueira de rosas ou a convidasse para subir em um daqueles balões coloridos de festa junina. Esperava que algum pedro a convidasse para um tango, ali mesmo, com um rosa entre os dentes e ela rodopiasse e subisse e descesse por aqueles bancos de madeira envernizada.

A sua cabeça virava rodava zanzava. Tinha a impressão que todos a comiam com os olhos. Como maria madalena, ela já se preparava para ganhar pedras. Pedras de rosa. Pedras de espinho. A respiração fica ofegante. O padre caminha em sua direção. O seu cerco de pensamentos se fecha. O suor escorre em seus desejos mais intimidados. Ela corre, pisando em pétalas caídas, como se pisasse em corpos e deixa sua rosa caída na porta da igreja.

Ela some pela rua como uma rosa pagã, enquanto um homem pega a rosa branca que ela deixou ao chão e cheira o perfume que a flor roubara da menina. O perfume do medo.


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