Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
16/03/2008 - Ramos vindouros

Hoje é Domingo de Ramos. Em algum lugar, não muito longe daqui, há de haver uma procissão. Uma procissão de pessoas. Uma procissão de ramos. Uma procissão que vai cortando ruas, soltando fogos, abrindo caminho com preces e orações. Entre passos e cânticos, pessoas vão andando juntas, acreditando juntas, esperando juntas. Em suas mãos, levam ramos verdes. Folhas de coqueiro, de paineira, galhas de alecrim e até de samambaia. O cruzeiro, que vem na frente da procissão, vai puxando e espalhando todo esse verde por meio de um mundo sem cor. Cada um aperta suas folhas e segue pelo asfalto, pelas pedras ou pela terra batida. Carros param e motoristas e passageiros descem em sinal de respeito. Os moradores das casas por onde passa a procissão saem aos portões e as janelas para acompanhar, ver, ouvir e serem abençoados por esse cordão de fé.

Essa procissão, em específico, é para acontecer ainda com o dia claro. Geralmente, sai de uma igreja e chega à outra. No final, o padre entra pelo corredor central da nave pisando em um tapete de ramos. Com os fieis acomodados, cada qual com seu punhado de folhas, a missa começa. É o momento de elevar a fé ao ponto máximo para tentar alcançar uma graça, agradecer um milagre ou, simplesmente, entrar em harmonia com Deus. Entre os ritos de praxe, o padre sai pela igreja aspergindo água benta de modo a benzer os ramos. No final da celebração, os fieis levam seus ramos para casa. Quem não trouxe ramo algum, por esquecimento ou porque não conseguiu encontrar as tais folhinhas, pode pegar aqueles que formaram o caminho do padre.

Esse evento marca o último domingo da quaresma e o início da principal semana para os católicos - a que leva à Páscoa. Assim como ocorre há mais de dois mil anos, Jesus morrerá e ressuscitará nos próximos dias. A procissão de Dia de Ramos remete a subida de Cristo ao Morro das Oliveiras. É momento de grande reflexão. Nós também devemos subir o morro da nossa consciência e elevarmos nosso pensamento. Com esses ramos na mão, que depois de bentos podem ser queimados para afastar espírito ruim e espantar tempestade, cumprimos uma espécie de ritual.

Na procissão de Sexta-Feira Santa, oferecemos a luz das velas ao Nosso Senhor Morto. Na procissão das rosas, oferecemos pétalas de uma beleza pura a Nossa Senhora. Na procissão de Corpus Christie, oferecemos as sementes que compõe longos tapetes a Deus. E na procissão de Ramos? Nela, oferecemos o verde, a vida, o planeta a um Cristo que se prepara para se sacrificar em nome da humanidade. Independentemente de ser católico, devemos pensar no sentido desta oferta.

Hoje, esse gesto de doação espiritual ganha uma conotação sócio-ambiental importante. No simbolismo do retorno (lembre-se da história do pó), levamos um planeta que está morrendo novamente para as mãos de Deus. Buscamos a cura, o perdão, uma outra chance. Afinal, esse planeta que está sendo destruído dia após dia... somos nós. Áreas imensas são devastadas, poluídas, exterminadas. A vida está sumindo do nosso mapa. Levar aquelas folhas, em nosso inconsciente, é um pedido para o reflorestamento do mundo. Do mundo de fora e do mundo de dentro.

Assim como as florestas terrestres, o campo da fé também está sendo devastado em grandes proporções. Em nossa correria diária, entre trabalho e outros afazeres, não temos tempo de rezar ao menos uma oração. Dessa forma, as florestas do mundo espiritual, que precisa estar em equilíbrio com o mundo material, também estão sendo dizimadas. O que significa essa derrubada? Em suma, temos alterações profundas em nossas vidas. O nosso solo espiritual fica descoberto, mais vulnerável, desértico. As chuvas que alimentam a nossa esperança diminuem. Os ventos do desespero, da insegurança, das dores ficam mais fortes. Enfim, nosso solo, de fértil passa a ser impróprio para uma vida nova. Essa terra nua é infestada pela depressão que nos traz a sensação de um vazio imenso. Nossa vida se torna mecânica, os sentimentos não vingam e tudo perde o sentido.

Hoje, mais do que corpos, há almas doentes. A grande praga não é a tuberculose ou qualquer outra doença física. O que mata, em grande proporção, são doenças ligadas ao sistema emocional. Infarto, hipertensão, aneurisma. Há alguns tipos de câncer que também são desenvolvidos pelo emocional. Aliás, um mundo espiritual mal cuidado desequilibra o emocional que, por sua vez, consome o físico. A angústia, a obsessão, o medo e outros temores vindos de uma vida vazia derrubam os seres humanos como árvores. E quanto maior o vazio maior a queda. Por isso, é necessário que estejamos em equilíbrio com esses dois mundos, com esses dois planos, com esses dois terrenos ? o material e o espiritual. É necessário cuidar desses dois solos, cultivando a terra com o adubo de boas atitudes e semeando frondosos pés de sonhos, solidariedade e amor. Eis as três árvores principais que devem formar a nossa floresta.

Com esse espírito, peço para que, em procissão de pensamentos, levemos ao Altíssimo os ramos de nossa alma. Que os ramos sejam vistosos e bem verdes como a vida que queremos. A realidade lá fora, cruel e insólita, nos faz constantes podas. Temos o livre arbítrio para decidir se vamos aceitar ser podados até a vida desistir de brotar em nós ou se vamos subverter a ordem atual promovendo uma grande semeadura. Desta resposta depende o nosso amanhã. De acordo com nossa escolha, nossa alma poderá adoecer e secar como um arbusto no deserto ou se fortalecer e crescer como ramos vindouros.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar