Daniel Campos

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08/12/2011 - Que me enterrem na lua

Quando eu morrer que me enterrem na lua bem longe do que restou da humanidade. Não quero ser enterrado ao lado de quem banalizou o amor, de quem viveu para falar da vida alheia, tampouco de quem saiu da vida pela porta dos fundos. Se estando vivo eu já não me dou com tanta falsidade, morto então... Não quero defuntos falando de futebol ao lado da minha cova. Também não vou suportar morar pelo resto da eternidade tendo como vizinhos aqueles que nunca viveram um amor Shakespeariano, nunca leram Vinícius de Moraes, nunca ouviram Tom Jobim.

Que me enterrem em uma daquelas crateras que tanto flertei em olhares noturnos ao longo da minha vida cheia, minguante, nova e crescente. Não percam seu tempo me velando com olhos de intriga e línguas afiadas. Sem rodeios, coloquem meu corpo no primeiro foguete à lua. Assim não corro o risco de ainda ter sobre minha pele fria lágrimas de quem nunca me amou de verdade. Os hipócritas que me perdoem, mas até mesmo para morrer é preciso ter cuidado hoje em dia. Afinal, enquanto os discursos fúnebres nos colocam no céu os sentimentos nos mandam direto pro inferno.

Por essas e outras, quando morrer não me presenteiem com um padre sem fé, com um caixão confortável ou com uma sepultura rococó. Quero ser enterrado, ou melhor, se entregue ao ventre da lua. Só lá conseguirei alcançar a paz que não tive aqui em razão daqueles que vivem para torcer pela desgraça do próximo, que abraçam apunhalando, que possuem ao invés de amar. Não é tristeza ou pessimismo, mas realidade. Ao contrário de trajes de gala, quero ser enterrando vestindo apenas meus poemas. Também não quero velas, mas estrelas de parafina. E flores, ofereçam a mim somente a flor do eclipse.

Não importa se amanhã ou se daqui a cinqüenta anos, diante da minha falta de esperança na humanidade, poderia ser enterrado vivo hoje mesmo num quarto de lua.


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